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Atletismo

07/06/2018 23h02

Cochabamba 2018

Desfecho de ouro para a trajetória de Sugar, o pugilista da Maré

Wanderson de Oliveira encontrou o boxe em projeto social aos 12 anos, ganhou o apelido pelo estilo similar ao de ídolo da modalidade e conquistou o título incontestável dos ligeiros

Jogos Sul-Americanos Cochabamba 2018

Ele tem 1,78m e mal chega aos 60kg. Mas perguntem ao panamenho Orlando Martinez Sanchez o peso do gancho na barriga de Wanderson de Oliveira. O adversário da estreia do brasileiro na categoria ligeiro do boxe foi à lona. Não levantou mais. Cena, muito rara no boxe olímpico, que surpreendeu a muita gente no Coliseu de Punata.

"O gancho na barriga foi o golpe do nocaute. Peguei jab, direto e depois o gancho. Aí ele caiu", resumiu Wanderson, de 21 anos. A vitória sobre Sanchez foi a primeira das três no caminho do carioca até o ouro nos Jogos Sul-Americanos de Cochabamba, na Bolívia.

Wanderson e a medalha de ouro de Cochabamba: sonho olímpico. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Na sequência, duas vitórias sem contestação, por decisão unânime dos árbitros: 5 x 0. Primeiro sobre David Padilla Bennet, da Colômbia, e na final sobre o venezuelano Luis Angel Cabrera. "Eu vim para cá focado em busca do ouro. Não queria bronze ou prata. Eu me dediquei muito, treinei muito, trabalhei o psicológico", afirmou o pugilista.

Wanderson nasceu no Complexo da Maré, comunidade no Rio de Janeiro. É o caçula de uma família com outros cinco irmãos. O mais velho morreu quando ele era pequeno. A mãe, Sandra Regina, passou um bom tempo em depressão em função do episódio. "Não sei direito o que aconteceu. Não pergunto. Minha mãe chorava todo dia por isso. Acabei não sabendo detalhes. Foi coisa da favela, da comunidade", disse.

"O boxe representa muito. Muda a sua mente toda, você amadurece
Wanderson de Oliveira

Tirando onda

O boxe surgiu meio por acaso na trajetória de Sugar, como é mais conhecido no meio do esporte. Entre partidas de futebol como zagueiro ("eu até era bom") e brincadeiras de jogar uns nos outros saquinhos de água que compravam às dezenas por R$ 2 na comunidade, ele ficou curioso com uma academia. Principalmente porque viu lá um colega que adorava "tirar onda de saber lutar". Era um projeto social chamado Luta pela Paz. Chegou de mansinho, observou e pensou em "surpreender" o amigo.

Para isso, fez pré-inscrição. Como só tinha 12 anos, a responsável pela academia foi buscar autorização da mãe ("Pode ir, mas desde que só brigue lá no ringue", ela disse). Começou a treinar num período oposto ao do colega. A ideia era melhorar e desafiá-lo. "Aí eu fui, treinei um tempinho e quando achei que já dava para tentar, descobri que ele tinha parado. Mas gostei tanto que estou até hoje aqui", afirmou Sugar. "O boxe representa muito para mim. Muda a sua mente toda, você amadurece".

O Sugar é referência a um ídolo da modalidade, Sugar Ray Leonard. Campeão profissional nas categorias médio, supermédio e meio-pesado, além de ouro olímpico em Montreal (1976), o americano tinha um golpe característico chamado "manivela". Numa síntese simplista, era uma girada de antebraço antes de efetuar o direto. Uns diziam que era para ganhar potência. Outros, que era um efeito "cosmético".

"O apelido veio do meu treinador. Quando comecei, eu tinha um pouco desse estilo. Batia e mandava uma manivela. Hoje até parei. Fico mais na distância curta. Mas o apelido ficou", brincou Wanderson, que adora ver vídeos de lutas no Youtube como forma de crescimento técnico e para se preparar mentalmente para os combates. "Vejo muitos lutadores, muitas lutas. É bom para preparar o psicológico".

"Meu plano é subir de vida no boxe, conquistar minhas coisas e, quando for para o Rio, ter o meu cantinho com a minha mãe"

Potência

Segundo o treinador da seleção brasileira, Amônio Silva, o brasileiro está numa fase de trabalhar a potência dos golpes, de ganhar força e amplitude. "O Sugar é um atleta muito disciplinado. "Ele 'boxeia' muito, mas tá fazendo agora um trabalho de força. Está ganhando confiança na mão. E os resultados vão surgindo", elogiou.

No plano esportivo, a ideia de Wanderson é treinar o máximo possível para chegar aos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. Mas há alguns degraus antes disso. "Tem o continental, mundial, Jogos Pan-Americanos. A ideia é treinar bastante e trabalhar o psicológico sempre, que é bem importante", afirmou.

Para o pugilista, no entanto, mais do que a busca por resultados, o boxe se tornou um caminho para ajudar a dar qualidade de vida à mãe, que durante muito tempo trabalhou como caixa de supermercado e atualmente está desempregada, com problemas de saúde. Hoje morando em São Paulo para treinar, Wanderson sempre retorna à casa materna quando pode ir ao Rio. "Meu plano é subir de vida no boxe, conquistar minhas coisas e, quando for para o Rio, ter o meu cantinho com a minha mãe".

Luiz Fernando Rodrigues, prata na categoria até 69kg. Foto: Abelardo Mendes Jr./rededoesporte.gov.br

Campanha

Ao todo, o Brasil conquistou seis medalhas no boxe nos Jogos Sul-Americanos de Cochabamba: dois ouros, uma prata e três bronzes. Além do título de Wanderson, também subiu ao topo do pódio Beatriz Iasmin Soares, na categoria até 60kg. A prata ficou com Luiz Fernando Rodrigues, que perdeu a final para Gabriel Jose Maestre, da Venezuela, por decisão unânime dos árbitros. Os bronzes foram para Graziele Jesus de Sousa (51kg), Hebert Willian Sousa (75kg) e Cleverton Galindo (81kg).

Confira galeria de fotos do boxe em Cochabamba. Imagens disponíveis para download (uso editorial gratuito)

Boxe - Jogos Sul-Americanos Cochabamba 2018

Gustavo Cunha, de Cochabamba, na Bolívia - rededoesporte.gov.br