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Atletismo

10/06/2017 12h54

Trofeú Brasil

Um caçador de pipas com "pés de concreto" que segue a trilha de Joaquim Cruz

Com índice para o Mundial nos 800m e 1.500m e marca recente que supera o recorde sul-americano sub-23 do ídolo olímpico, Thiago André vence o Troféu Brasil nos 1.500m
"Tinha dia que a gente não tinha pipa. Aí, corria atrás das de quem tinha. Pegava, guardava e soltava no dia seguinte as que tinha capturado"
Thiago André

Entre os amigos na comunidade de Nova Aurora, em Belford Roxo (RJ), poucos eram tão bons quanto Thiago André na arte de caçar pipas cortadas pelo cerol das linhas. "Tu corre que nem maluco", brincava o amigo Michael Dantas, segundo as lembranças de Thiago, que ele resgatou na manhã deste domingo após vencer os 1.500m no Troféu Brasil de Atletismo, em São Bernardo (SP). Corria, ressalta, porque gostava e porque era o jeito de garantir a sequência da brincadeira. "Tinha dia que a gente não tinha pipa. Aí, corria atrás das de quem tinha. Pegava, guardava e soltava no dia seguinte as que tinha capturado", recorda.

De tanto correr, Thiago foi convencido por Michael a dar o ar da graça na Vila Olímpica da região. Tinha 14 para 15 anos. Foi convidado a fazer alguns tiros de 60m, 70m. Ouviu da técnica Suelen Freire uma expressão que o deixou meio contrariado: "Fundista? Caraca, o que é esse negócio de fundista? Eu quero é ser rapidão", pensou Thiago. Mas foi convencido, principalmente quando soube que ganharia R$ 30. "Era o preço da linha e do papel. Tava garantida a pipa". Nas semanas seguintes, haveria a Olimpíada da Baixada Fluminense e a equipe precisava de atletas para correr os 800m.

Thiago André comemora o título nos 1.500m no Troféu Brasil de Atletismo.Foto: Marcello Zambrana/CBAt

Correu e terminou em quarto. Passou a treinar mais, sempre descalço, por não ter as sapatilhas apropriadas, e ganhou dos colegas o apelido de "pés de concreto", por aguentar o tranco do impacto com a pista. Melhorou resultados, conquistou títulos nas categorias mirim e menor e foi indicado por Suelen ao técnico Adauto Domingues, que o levou para treinar no estado de São Paulo, na B3 Atletismo.

De lá para cá, Thiago evoluiu, passou a contar com estrutura profissional e viveu um ano especial em 2014 nas provas de meio-fundo, quando foi quarto colocado nos 800m e nos 1.500m no Mundial Juvenil disputado em Eugene, nos Estados Unidos. Em 2015 e 2016, segundo ele, viveu um período de instabilidade por lesões, mas retomou a trilha de bons resultados em 2017, ao lado do técnico Ricardo D'Angelo, morando em Campinas. Ainda com 21 anos, já conquistou os índices para o Mundial de Londres adulto nos 800m e nos 1.500m.

Marca expressiva

Na semana passada, no Nijmengen Global Athletics, na Holanda, estabeleceu 3min35s28 nos 1.500, marca que supera o recorde sul-americano de Joaquim Cruz, que durou mais de 30 anos. "Eu só fui ver depois. A Federação Sul-Americana colocou lá e eu nem sabia de quanto tempo era a marca. Fui ver e era do Joaquim Cruz. Uma honra para mim".

"Sonhar, decidir e executar. Você sonha, decide no treino e executa na competição. Essas palavras ficaram na minha cabeça"
Thiago André, sobre conversa com Joaquim Cruz

Honra maior porque, em 19 de março de 2015, em São Paulo, Thiago ouviu ao vivo, do próprio medalhista olímpico, uma sequência de três palavras que diz guardar como mantra: "Sonhar, decidir e executar. Você sonha, decide no treino e executa na competição. Essas palavras ficaram na minha cabeça. Procuro frases que possam fazer diferença na minha vida. Abraço as coisa que as pessoas falam e me possam fazer evoluir", contou Thiago. O encontro foi no lançamento do livro Matador de Dragões, que narra algumas histórias da carreira do campeão olímpico dos 800m em 1984, nos Jogos de Los Angeles.

"Li o livro dele e vi comparações que são semelhantes. A história de vida dele é um pouco mais difícil que a minha porque naquela época não tinha material adequado, estrutura e suporte que a gente tem. Hoje as sapatilhas são diferentes, muito melhores. Além disso, a diferença maior é que, quando ele começou a fazer resultados, foi para os Estados Unidos. Eu pude ficar aqui", comentou o atleta, de 1,80m e 60kg, que hoje tem o apoio de patrocinadores privados e públicos e a Bolsa Atleta do Governo Federal.

Próximas passadas

Já com os índices garantidos, Thiago adotou no Troféu Brasil neste sábado uma estratégia conservadora nos 1.500m, em especial porque vai correr os 800m, sua prioridade para o ano, no domingo. "Eu e meu treinador (Ricardo D'Angelo) definimos como estratégia não fazer a prova forte demais. Como é um campeonato importante, o melhor era vencer. Assim, saí para puxar a prova, tranquilo, e esperei os últimos 400m para começar a correr", explicou Thiago, que finalizou a distância em 3min45s42. A prata ficou com Carlos de Oliveira Santos, do Pinheiros, com 3min47s62, e o bronze com Lutimar Abreu Paes, da mesma equipe de Thiago, a B3 Atletismo, com 3min47s70.

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Antes do Mundial de Londres, Thiago pretende fazer um período de treinamento na altitude de 2.525m acima do nível do mar em Paipa, na Colômbia, um conhecido refúgio para fundistas. "Você chega em Bogotá e são mais cinco horas de ônibus até a roça", brincou Thiago. A ideia é permitir que o atleta chegue a Londres com condições de repetir a performance que apresentou no Mundial de 2014, na categoria de base, agora na versão adulta do torneio."Vou focar nos 800m, que são os primeiros quatro dias do torneio".

Gustavo Cunha - Brasil2016.gov.br