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Tenis de mesa

05/07/2018 16h44

Tênis de Mesa

Top ten do mundo, Calderano almeja voos ainda mais altos

Primeiro brasileiro no seleto grupo dos dez melhores do mundo no tênis de mesa minimiza mística em torno de chineses, avalia que dá para subir novos degraus e sonha com pódio olímpico

Hugo Calderano é do tipo que não cultiva ídolos na modalidade que disputa. Mais de uma vez o carioca já manifestou em entrevistas que não curte idealizar adversários. Prefere pensar em formas de superá-los. Com talento claro para os esportes desde cedo, foi titular da seleção estadual de vôlei e campeão carioca de salto em distância quando tinha menos de 13 anos. Mas foi no tênis de mesa, esporte em que deu as primeiras raquetadas aos oito anos, que encontrou a sua "casa".

Sem mística contra chineses: Calderano em ação contra Lin Gaoyuan, então número quatro do mundo, no Aberto do Catar, em março: 4 sets a 0. Foto: ITTF
"Ser Top 10 tem um simbolismo e uma projeção maior internacionalmente. Isso mostra que estamos no caminho certo, e, se conseguirmos cumprir o planejamento, dá para subir ainda mais"
Hugo Calderano

Uma casa que ele tornou tão "aconchegante" que, na última listagem do ranking da Federação Internacional da Modalidade (ITTF), apareceu como décimo do mundo, aos 22 anos. É a primeira vez que um atleta das três Américas chega tão longe. "Ser Top 10 tem um simbolismo e uma projeção maior internacionalmente. Isso mostra que estamos no caminho certo, e, se conseguirmos cumprir o planejamento, dá para subir ainda mais", afirmou, em entrevista à rededoesporte.gov.br.

Para ele, não existe exatamente uma "mística" em torno dos chineses, muito embora o país asiático mantenha uma hegemonia internacional incontestável. Das 32 medalhas de ouro disputadas desde que a modalidade entrou em cena nos Jogos Olímpicos, em Seul (1988), 28 ficaram com a China. No mês passado, porém, um japonês chamado Tomokazu Harimoto, de apenas 14 anos, bateu na sequência, no início de junho, os últimos dois campeões olímpicos para vencer o Aberto do Japão.

"Não acredito que seja uma mística. Os quatro melhores chineses têm sido realmente muito superiores nos últimos anos. Recentemente, contudo, eles têm sofrido derrotas. Isso pode significar que a diferença entre os chineses e o resto do mundo está diminuindo, o que seria ótimo para o tênis de mesa", avaliou.

Os resultados recentes do brasileiro ajudam a dar perspectiva a esse horizonte. O mesmo japonês que superou os dois campeões olímpicos foi batido por Calderano por 4 sets a 0 nas quartas de final do Aberto do Catar de 2018. No torneio disputado em março, o brasileiro eliminou outros dois atletas top 15. Nas oitavas, superou o alemão Timo Boll, que ocupava a liderança. Na semifinal, passou pelo chinês Lin Gaoyuan, que ocupava a quarta posição. Só foi vencido na decisão por outro chinês, Fan Zhendong, atual número 1 do mundo.


Ainda neste primeiro semestre, Calderano foi bronze no Aberto da Hungria e liderou a seleção brasileira em duas conquistas inéditas. Na Copa do Mundo por equipes, na Inglaterra, e no Campeonato Mundial por equipes, na Suécia, o time nacional chegou pela primeira vez às quartas de final. 

"O tênis de mesa nunca foi um esporte popular no Brasil. O alto nível recebeu nos anos anteriores aos Jogos Olímpicos do Rio 2016 um apoio que nunca havia recebido e nossa equipe soube aproveitar a oportunidade. Levando isso em consideração, temos que comemorar o desempenho nas competições internacionais importantes, mas é preciso mais tempo e investimento na base para criar uma equipe realmente competitiva", afirmou.

Hugo em uma das imagens que guarda com mais carinho dos Jogos Rio 2016: interação inédita com a torcida. Foto: Getty Images

Escalada olímpica

A Rio 2016, aliás, é capítulo especial na trajetória de Calderano. Nos Jogos disputados no Brasil, ele chegou como 54º do mundo. Fez quatro partidas memoráveis na chave individual. Venceu dois atletas melhores ranqueados do que ele (o sueco Par Gerell, então 32º do ranking, e Tang Peng, de Hong Kong, que era o 15º). Transformou o Pavilhão 3 do Riocentro em sucursal de estádio de futebol. Experimentou uma interação com a torcida até então inédita para a modalidade. No fim, chegou às oitavas de final e só foi eliminado após uma partida muito equilibrada contra o japonês Jun Mizutani, sexto do mundo à época, e que terminaria o torneio com a medalha de bronze.

"Para mim, e acho que para a maioria dos atletas, os Jogos Olímpicos têm dimensão especial. A Rio 2016 foi o momento mais marcante da minha carreira até hoje. Uma medalha olímpica é uma das minhas metas, mas o planejamento não foca só nisso"

"Para mim, e acho que para a maioria dos atletas, os Jogos Olímpicos têm dimensão especial. A Rio 2016 foi o momento mais marcante da minha carreira até hoje. Uma medalha olímpica é uma das minhas metas, mas o planejamento não foca só nisso. Até 2020 tem Copa do Mundo, Mundial, Jogos Pan-Americanos, finais do Circuito Mundial. Quero seguir evoluindo e conquistar resultados importantes para consolidar minha posição e dar mais visibilidade ao tênis de mesa no Brasil", disse Hugo, que igualou no Rio a melhor campanha de um brasileiro na competição, obtida por Hugo Hoyama, nos Jogos de Atlanta, em 1996.

Hoyama, aliás, avalia o momento de Hugo e do tênis de mesa nacional de forma muito positiva. Atual técnico da seleção feminina, ele tem no currículo 15 pódios (dez ouros) em seis edições dos Jogos Pan-Americanos, além de quatro participações olímpicas. "Realmente estamos num momento legal, importante. Essa garotada está com uma cabeça boa para aproveitar a estrutura à disposição. Está tudo mais profissional em termos de programação, com mais treinamentos, mais concentrações. Ainda temos questões de recursos para resolver, mas não só o tênis de mesa, como o esporte como um todo".

No Pan de Toronto, em 2015, Hugo foi ouro individual e por equipe. Foto: ITTF

Viés de alta

Calderano vem num gráfico ascendente no cenário internacional desde 2013, ano em que deixou pela primeira vez sua marca, com o título do Aberto do Brasil, evento com chancela da ITTF. Na ocasião, era o 260º do mundo, tinha 17 anos e superou nas semifinais e finais dois dos então titulares da seleção nacional: Cazuo Matsumoto e Gustavo Tsuboi.

Em 2014, um cartão de visitas ainda mais promissor. Nos Jogos Olímpicos da Juventude, disputados em Nanquim, na China, conquistou o bronze, o primeiro pódio da história do país numa competição com a chancela do Comitê Olímpico Internacional.

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Bronze nos Jogos Olímpicos da Juventude, em Nanquim, na China, em 2014: cartão de visitas que abriu as portas para se consolidar na Alemanha. Foto: Breno Barros/ME

"Ao contrário de outras modalidades, o tênis de mesa tem seus melhores atletas juvenis nos Jogos. É uma oportunidade de participar de uma competição diferente, com um simbolismo maior por ser competição olímpica", disse Hugo, lembrando que este ano o Brasil será representado na competição por Guilherme Teodoro e Bruna Takahashi. O evento será em Buenos Aires, na Argentina, de 6 a 18 de outubro.

Na sequência dos Jogos de Nanquim, Hugo fincou raízes em seu continente. É tricampeão latino-americano e conquistou o título individual e por equipes dos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em 2015. Depois, veio a sequência que culminou nos Jogos Olímpicos do Rio, a 21ª colocação no ranking no fim de 2016 e os resultados individuais e em equipe expressivos. A conquista mais recente, e que foi o diferencial para levar Hugo ao Top Ten, foi a Copa Pan-Americana, disputada em Assunção, no Paraguai, em junho.

Foco e capacidade mental

Hugo é definido por colegas e técnicos como um atleta acima do padrão em duas características estratégicas para o alto rendimento no tênis de mesa: foco e capacidade mental. Ele chegou a trabalhar pontualmente com o francês François Ducasse, morto em 2016, um coach da parte mental que tem no currículo figuras como os tenistas Pete Sampras e Maria Sharapova.

"A mudança me ajudou bastante. Eu me sinto melhor fisicamente, menos cansado e mais disposto nos treinos e competições. É uma forma de vida saudável, que ajuda no tênis de mesa"
Calderano, sobre adotar o vegetarianismo

"Eu sempre tive uma força psicológica e mental grande, e esse é o aspecto mais importante no tênis de mesa. Tinha um coach que me ajudou bastante. O contato não era tão frequente, mas ele me passou ferramentas para que pudesse usar", afirmou Calderano, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em março deste ano.

Calderano defende, desde 2014, a equipe de Ochsenhausen, da primeira divisão da Liga Alemã e frequentadora tanto das finais do país quanto da Liga dos Campeões da Europa. Na cidade de cerca de 10 mil habitantes, vive quase que exclusivamente em função dos treinamentos físicos, técnicos e as múltiplas competições, e tem como técnico um francês com ampla experiência internacional, Jean-René Mounie .

Hugo adotou recentemente o vegetarianismo por entender que pode lhe trazer ganhos de saúde, físicos e atléticos. "A mudança me ajudou bastante. Eu me sinto melhor fisicamente, menos cansado e mais disposto nos treinos e competições. É uma forma de vida saudável, que ajuda no tênis de mesa. E também a favor dos animais, do planeta", explicou, em entrevista em março ao Lance!. Adicionalmente, Hugo é fã de cubos mágicos. Tem uma coleção com mais de 70. Consegue montar o mais convencional, de 3 x 3, em uma média de 11 segundos. Seu recorde é de 6,3 segundos.

Mesas usadas nos Jogos Olímpicos equiparam o Centro de Treinamento Paralímpico de São Paulo. Foto: Alaor Filho/CPB/MPIX

Estrutura ascendente

O tênis de mesa foi uma das modalidades que mais se beneficiou Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016. No ciclo para os megaeventos, o Ministério do Esporte celebrou três convênios com a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), que resultaram em investimentos de R$ 7,9 milhões. Os recursos foram aplicados na realização de treinamentos no Brasil e no exterior e na estruturação de quatro centros de treinamentos, em São Bernardo do Campo (SP), São Caetano do Sul (SP), São Paulo (SP) e Santos (SP). Também possibilitaram a aquisição de equipamentos, como mesas de jogo e de arbitragem, pisos, placares, bolas, redes, robôs e material esportivo, como uniformes e raquetes.

Em 2017, fui assistir a uma etapa do estadual no Rio de Janeiro na Arena Carioca 2. Isso é muito bom para estimular quem está começando. É um começo, mas, infelizmente, não é o suficiente"

Ao fim dos Jogos, mesas, redes, aparadores, pisos e bolinhas usados pelos melhores do mundo no Rio de Janeiro ajudaram a equipar centros de treinamento em vários cantos do país. Segundo informações da CBTM, materiais esportivos usados nos Jogos e em eventos-teste beneficiaram 186 clubes, 130 técnicos e mais de 8,5 mil atletas em dez estados, nas cinco regiões. Desde a ponta da pirâmide, como o Centro de Treinamento Paralímpico de São Paulo, que ficou com as mesas principais dos Jogos Olímpicos, até polos regionais e locais, como o montado em Varginha (MG), em Minas Gerais.

"Com a estrutura, melhorou muito a iniciação. Temos uma gama de meninos entre dez e 14 anos e alguns veteranos. Uma turma em torno de 60 pessoas. A equipe cresceu demais", afirmou Carlos Antônio de Paiva, presidente da Associação Varginhense de Tênis de Mesa.

"Um bom equipamento ajuda muito a motivar. Em 2017, fui assistir a uma etapa do campeonato estadual no Rio de Janeiro na Arena Carioca 2. Isso é muito bom para estimular quem está começando. É um começo, mas, infelizmente, não é o suficiente para se pensar em formar atletas de alto nível. Para formar uma equipe competitiva internacionalmente, é preciso investimento regular e tempo", avaliou Calderano.

Atualmente, 226 atletas do tênis de mesa recebem alguma das categorias do Bolsa Atleta, do Ministério do Esporte. Um investimento de R$ 3 milhões ao ano. Outros 12 atletas, entre eles Hugo Calderano, recebem a Bolsa Pódio, categoria mais alta do programa, com repasses mensais de até R$ 15 mil. São R$ 1,3 milhão investidos por ano.

Gustavo Cunha, rededoesporte.gov.br