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14/12/2017 12h33

Entrevista

O adeus de Poliana Okimoto, a pioneira das águas

Especialista em maratonas aquáticas, a primeira nadadora medalhista olímpica do país participou de sua última competição no domingo. Nesta entrevista, ela rememora a carreira, fala do legado da Rio 2016, revela o sonho de ser mãe e diz que seguirá no esporte

Por significado, pioneiro é aquele que larga na frente, o primeiro a alcançar um determinado objetivo. E cabem aos pioneiros as glórias de grandes conquistas ou as amarguras nos fracassos nas primeiras tentativas.

No caso da paulista Poliana Okimoto, nascida em São Paulo, em 8 de março de 1983, seu pioneirismo estará sempre ligado ao sucesso que suas braçadas ao redor do mundo lhe trouxeram. A lista de conquistas que fazem dela "a primeira" é longa e extrapola o mérito de terminar as competições à frente das rivais.

Poliana, a medalha e os anéis olímpicos: auge da carreira se deu em seu 'quintal', a Praia de Copacabana. Foto: Satiro Sodré/SSPress

Para começar, Poliana Okimoto é a primeira e até aqui a única nadadora do Brasil a subir em um pódio olímpico. O feito foi alcançado em casa, durante os Jogos Rio 2016, quando ela, nadando na praia de Copacabana, o mesmo cenário no qual começou a praticar a modalidade em águas abertas, conquistou a medalha de bronze na prova de 10km das maratonas aquáticas.

A medalha olímpica foi o ápice da carreira. Mas não foi o ponto de partida do pioneirismo que marcou a vida de Poliana. Ela foi a primeira brasileira a conquistar uma medalha em Mundiais de Esportes Aquáticos, em Roma 2009, quando ficou com o bronze nos 5km da maratona aquática, em um pódio que quebrou um jejum de 15 anos para o Brasil sem medalhas na competição.

"O legado mais real (dos Jogos Rio 2016) que o atleta tem é a Bolsa Pódio. O atleta brasileiro que neste momento está entre os melhores do mundo é um privilegiado. Nós nunca tivemos isso e, agora, com as Olimpíadas, a gente conseguiu e conseguiu manter. Não importa quem é. É meritocracia. Se o atleta tem o resultado ele vai ter o recurso"
Poliana Okimoto

Naquele mesmo ano, Poliana sagrou-se campeã do Circuito Mundial tendo vencido 9 das 11 etapas dos 10km e estabelecido um recorde de vitórias no circuito que perdura até hoje. O feito a tornou, além de recordista, a primeira brasileira campeã do Circuito Mundial da modalidade.

Poliana foi também a primeira nadadora nacional a conquistar um ouro em Campeonatos Mundiais de Esportes Aquáticos, em Barcelona 2013, e a primeira a faturar uma medalha em Jogos Pan-Americanos, no Rio, em 2007, quando ficou com a prata nos 10km.

No último domingo (10.12), Poliana Okimoto encerrou a carreira com uma despedida em grande estilo quando venceu, ao lado de Ana Marcela Cunha, Fernando Ponte e Allan do Carmo, o Desafio Rei e Rainha do Mar, disputado na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.

Nesta entrevista, Poliana Okimoto fala do desejo de ser mãe, confessa que a ficha da aposentadoria ainda não caiu, revela a emoção que ainda sente ao olhar para a medalha olímpica e não esconde o orgulho dos feitos conquistados.

Sobre o megaevento no Brasil, a nadadora elogia a manutenção da Bolsa Pódio, que classificou como o maior legado dos Jogos Rio 2016 para os atletas brasileiros, comemora a ampliação da representatividade dos atletas na Assembleia do Comitê Olímpico do Brasil (COB), adianta que não pretende se afastar do esporte.

Sua última prova foi disputada em Copacabana, mesmo local onde você conquistou a medalha mais importante de sua carreira, o bronze olímpico. Foi proposital que a despedida se desse ali?

Não. Mas calhou e deu tudo certo para a gente fazer esse encerramento agora. O Rei e Rainha do Mar é uma das últimas provas do calendário nacional e deu certo de coincidir de ser em dezembro e ser em um local emblemático para mim. Foi ali que comecei a fazer maratona aquática e foi lá que vi o meu sonho maior realizado, que era ganhar uma medalha olímpica. Não foi proposital, mas deu tudo certo de calhar bem na data que a gente precisava.

Poliana, no pódio dos Jogos Rio 2016: primeira nadadora do Brasil a conquistar o feito. Foto: Satiro Sodré/SSPress

Há quanto tempo você vinha refletindo sobre encerrar a carreira ao fim deste ano? Como foi o processo?

Foi uma decisão difícil de ser tomada, porque gosto muito do que faço e tenho prazer em treinar e competir. Mas o lado pessoal pesou bastante. Quando penso nesses três anos deste próximo ciclo olímpico (até os Jogos de Tóquio 2020), pesa o desejo de ser mãe e de construir uma família com o meu marido, que é o meu técnico (Ricardo Cintra, que a treina desde o início da carreira na maratona aquática). Então, pesou bastante esse lado pessoal.

Como foi acordar nesta segunda-feira e saber que toda aquela rotina pesada de treinos e de preparação para as competições tinha ficado para trás? Foi estranho?

Ainda parece que estou de férias. Não sei como vai ser ano que vem, quando a gente voltar de viagem, das férias. Eu acho que aí vai ser o momento em que vai cair a ficha. Acho que o que é diferente é que antes eu tinha que controlar a alimentação, não podia engordar muito, não podia comer muita coisa e mesmo quando a gente ia pensar em tirar férias tinha coisas que a gente tirava do calendário. Por exemplo: sempre tive vontade de esquiar. Já fui fazer alguns treinamentos onde tinha base de esqui e eu não podia fazer, porque havia o risco de lesão, eu podia cair e quebrar o braço e essa é uma das coisas que o atleta tem sempre que estar se policiando. Agora, não. Se cair e quebrar o braço, sem problemas. Vou estar cheia de tempo para me recuperar. Mas ainda não vou esquiar agora, porque não deu tempo de a gente se planejar.

Você marcou a história das maratonas aquáticas do Brasil em várias ocasiões. Além da medalha olímpica, foi a primeira brasileira a conquistar uma medalha em Mundiais, em Roma 2009, a primeira a conquistar uma medalha em Jogos Pan-Americanos e a primeira a conquistar o título do Mundial de Águas Abertas. Que análise você faz de sua carreira?

Foram mais de 20 anos de seleção brasileira e muitos anos entre os melhores do Brasil. Depois que  comecei na maratona aquática foram dez anos entre os melhores do mundo. Então fico muito orgulhosa de tudo o que fiz. Quando comecei, ninguém sabia o que era uma prova de maratona aquática, no fim de 2005. Em 2006, no meu primeiro Mundial, ganhei duas medalhas (foi vice-campeã de 5km e 10km em Nápoles, na Itália) históricas para o Brasil, porque o país nunca tinha subido ao pódio. Foram as primeiras medalhas do Brasil nos esportes aquáticos femininos em Mundiais. A partir dali, meus resultados continuaram vindo. Teve os Jogos Pan-Americano de 2007, no Rio (prata nos 10km), teve o Circuito Mundial no qual tive recorde de vitórias (com nove ouros em 11 provas no circuito em 2009), que é o recorde até hoje, quando venci o Circuito Mundial. Com esses resultados, o Brasil foi entendendo o que é o esporte e foi se apaixonando. Hoje em dia tem uma prova de águas abertas a cada fim de semana aqui no Brasil. Quando os atletas conquistam qualquer resultado internacional é sempre muito bem divulgado, então fico orgulhosa por ter aberto portas não só para essa geração de atletas, mas para a modalidade, que era pouquíssimo conhecida no Brasil.

"Foi uma decisão difícil de ser tomada (a aposentadoria), porque eu gosto muito do que eu faço e tenho muito prazer em treinar e competir. Mas pesa o lado pessoal pelo meu desejo de ser mãe e de construir uma família"

Depois de todas as emoções vividas ao longo da carreira, quais foram as principais lições deixadas pelo esporte?

Ah, o esporte ensina demais a gente. É uma lição que todo o ser humano deveria aprender. O esporte imita a vida, não é? Acho que ensina principalmente disciplina, dedicação, ensina a vontade de ir atrás de seu sonho, de saber que nem sempre você vai ter certeza do resultado que vai colher lá na frente, mas, mesmo assim, você vai tentar plantar a semente da melhor forma. Tem os altos e baixos, claro. Eu passei por vários momentos de dificuldades na carreira, mas me sinto feliz por saber que essas dificuldades me fizeram uma pessoa melhor, mais forte, mais resiliente. Acho que é isso que o esporte vai deixar para minha vida: saber que quando a gente quer muito um objetivo, a gente vai atrás disso e luta, com muita garra e persistência.

Passado um ano e quatro meses das Olimpíadas no Rio, o que você sente quando olha para a medalha que conquistou? Como foi subir ao pódio em casa nos Jogos Olímpicos?

Foi incrível. Eu lutei demais por essa medalha e mesmo hoje, quando olho para a medalha em casa,  vejo que mereci muito. Foram anos dedicados ao esporte. Eu não tive uma infância normal, não tive uma juventude normal, não fui uma adolescente normal. Sempre tive um objetivo e quis cumprir esse objetivo. Eu me dediquei demais ao esporte e essa medalha olímpica veio como uma forma de presente para mim, porque eu realmente mereci tudo isso que passei e tudo o que construí. Foi sempre na base de dedicação. Eu sou uma atleta talentosa, é óbvio. Não existe medalhista olímpico que não tenha talento no esporte que pratica. Mas acho que todos os meus resultados e conquistas foram feitos sempre como fruto de muita dedicação. Eu fui uma atleta muito profissional, dediquei realmente minha vida para isso e me sinto feliz quando vejo que o resultado apareceu, que o resultado que eu queria foi concretizado.

O plano é, agora, ajudar o esporte de outra forma, como uma das atletas com voto dentro do Comitê Olímpico do Brasil, e com eventos fora das águas. Foto: Satiro Sodré/SSPress

Ainda falando sobre a Rio 2016, é comum ouvir que os Jogos não deixaram legado para o país. Mas quem é atleta sabe que muita coisa mudou na estrutura esportiva do Brasil desde que o Rio foi eleito sede dos Jogos. Temos centros de treinamentos espalhados pelo país em várias modalidades e houve avanços no que diz respeito ao apoio ao atleta, como é o caso da Bolsa Pódio. Qual a sua opinião sobre o legado das Olimpíadas e Paralimpíadas de 2016?

Eu sempre digo nas entrevistas, quando me perguntam sobre o legado das Olimpíadas, que o legado mais real é a Bolsa Atleta e a Bolsa Pódio. É isso que a gente tem de mais concreto. Muitas vezes a gente não consegue treinar nos centros de treinamento que estão espalhados pelo Brasil como legado das Olimpíadas, mas por outro lado temos esse legado da Bolsa Pódio, que foi feita para as Olimpíadas de 2016 e que, graças a Deus, continuou no ciclo pós-olímpico. O atleta brasileiro que neste momento está entre os melhores do mundo é um privilegiado. Nós nunca tivemos isso e, agora, com as Olimpíadas, conseguimos e mantivemos. Esse é um grande legado que o atleta consegue de imediato e não importa quem é. É meritocracia. Se o atleta tem o resultado, tem o recurso.

Você foi a única nadadora do país a conquistar uma medalha nas Olimpíadas do Rio, na verdade a única nadadora brasileira até aqui a subir em um pódio olímpico. Fechamos agora o primeiro ano do ciclo para os Jogos de Tóquio 2020. É possível voltar do Japão com um número maior de pódios na natação, seja na piscina ou na maratona aquática?

Acho que sim. O Brasil tem que continuar com o investimento que foi feito para 2016. Acredito que o Brasil, para as próximas Olimpíadas, vai estar melhor do que esteve em 2016. A equipe vai estar mais madura, mais consciente do que são os Jogos Olímpicos. A natação feminina está crescendo bastante e tem tudo para ter bons resultados. Não sei se podemos falar em medalhas, porque quem conhece o esporte sabe que tudo é feito de detalhes e é de dia. Tem dia que o atleta acorda bem, tem dia que acorda mal, e no esporte individual a gente não tem garantia alguma. Não tem como ter certeza do resultado. Mas a gente tem lutado. A natação tem crescido muito e com certeza em Tóquio, se não tivermos medalhas, teremos finais, semifinais e é desta forma que o Brasil vai crescer.

"Ah, o esporte ensina demais a gente. Ensina principalmente disciplina, dedicação, ensina a vontade de ir atrás de seu sonho. Acho que é isso que o esporte vai deixar para a minha vida: saber que quando a gente quer muito um objetivo, a gente vai atrás e luta com garra e persistência"

A Assembleia Geral do Comitê Olímpico do Brasil agora terá 12 atletas com direito a participar das principais decisões do COB, inclusive nas eleições da entidade. Com a mudança no novo estatuto, ficou aprovada a participação proporcional de 1/3 de atletas com assento na Assembleia. Como você analisa essa conquista, já que ter uma maior participação no processo de decisões do COB era um anseio antigo dos atletas?

É uma vitória nossa. A gente já vinha lutando há bastante tempo por mais espaço, para ser mais ouvido, e agora chegou o momento. Acho que esses atletas que estão entre os 12 (Eduarda Amorim (handebol), Beatriz Futuro (rugby), Emanuel Rego (vôlei de praia), Fabiana Murer (atletismo), Yane Marques (pentatlo moderno), Tiago Camilo (judô), a própria Poliana Okimoto (maratona aquática), Arthur Zanetti (ginástica artística), Thiago Pereira (natação), Fabiano Peçanha (atletismo), Emerson Duarte (tiro esportivo) e Bruno Mendonça, do hóquei sobre grama) têm que se esforçar bastante, porque agora a gente realmente vai ter que mostrar que temos interesse em ajudar o esporte de outra forma, fora dos tatames, das piscinas e das quadras. A gente tem esse papel de representar os atletas. Não é só a sua modalidade que está ali. Estamos representando todos os atletas do Brasil. Temos uma missão diferente. É uma grande vitória termos conseguido esse espaço dentro do COB e acho que também é um exemplo para todas as confederações.

E agora? Encerrada a carreira como atleta de alto rendimento, quais os próximos planos?

Eu não tenho como sair do meio do esporte. Com a minha experiência, com o conhecimento que eu e o meu marido adquirimos, não temos como dar as costas. Temos que ajudar, agora de outra forma. Acho que como a minha missão como atleta foi cumprida, agora vem outra missão, fora da água, que é ajudar outras pessoas a conquistarem seus objetivos. Estamos cheios de projetos. Ano que vem tem a Primeira Travessia Poliana Okimoto, tem o primeiro Training Camp Poliana Okimoto, estamos tentando fazer um projeto social. Enfim, estamos cheios de projetos e do esporte pode ter certeza que a gente não vai sair.

 

Quem é ela

 

Nome: Poliana Okimoto
Data de nascimento: 8 de março de 1983
Local: São Paulo
Modalidade: Natação
Especialidade: Maratonas aquáticas
Principais resultados:
» Bronze nos 10km nos Jogos Olímpicos Rio 2016
» Ouro nos 10km no Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de Barcelona 2013
» Prata nos 5km no Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de Barcelona 2013
» Bronze nos 5km no Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de Roma 2009
» Bronze nos 5km por equipe no Campeonato Mundial de Esportes Aquáticos de Roma 2009
» Campeã do Circuito Mundial de Maratonas Aquáticas de 2009
» Vice-campeã da Copa do Mundo de Maratonas Aquáticas 2016
» Prata nos 10km nos Jogos Pan-Americanos do Rio 2007
» Prata nos 10km nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara 2011

 

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Luiz Roberto Magalhães - Rede do Esporte