Você está aqui: Página Inicial / Notícias / Num "all in" em que apostou a aposentadoria, Carla Maia renova o sonho paralímpico

Tenis de mesa

11/12/2018 09h38

Tênis de mesa

Num "all in" em que apostou a aposentadoria, Carla Maia renova o sonho paralímpico

Brasiliense que flerta com megaeventos desde 2003 vence a seletiva da Classe 2 do tênis de mesa, garante vaga no Parapan e estica seu horizonte na modalidade

Não é à toa que Carla Maia usa metáforas afetivas para descrever sua relação com o tênis de mesa e os megaeventos esportivos. Como repórter ou como atleta, ela tem um relacionamento intenso e de longa data com raquetes, bolinhas, microfones, ilhas de edição, Jogos Pan-Americanos e Paralimpíadas. Uma história movida por paixão, dedicação e resultados, e com momentos de sacrifícios, desilusões e descrença.

Nessa gangorra de sentimentos, a seletiva para os Jogos Parapan-Americanos de Lima, disputada esta semana no Centro de Treinamento Paralímpico, em São Paulo, ocupa um ponto alto, de luxo. Ela viajou com uma espécie de superego de apostadora, de jogadora de pôquer. Internamente, pensava: se perdesse, se aposentava de vez. Se ganhasse, daria sobrevida ao sonho. Vitoriosa na seletiva da Classe 2, seu "all in" esticou seu horizonte.

Carla Maia durante a seletiva em São Paulo: vaga garantida para o Parapan de Lima, em 2019. Foto: Daniel Zappe/CPB/MPIX

"É igual a um casamento mesmo. São anos me dedicando ao alto rendimento. É desgastante, duro. Exige muitos investimento, mas ninguém desiste fácil de algo tão difícil. A decisão de um término é complicada", afirmou a atleta brasiliense, de 37 anos, que havia saído amargurada do ciclo para os Jogos Rio 2016.

"É igual a um casamento mesmo. São anos me dedicando ao alto rendimento. É desgastante, duro. Exige muitos investimento, mas ninguém desiste fácil de algo tão difícil"
Carla Maia

"Depois da Paralimpíada do Rio, em que estava como décima segunda do ranking mundial e acabei não convocada, tinha decidido que não ia mais competir profissionalmente", disse. Segundo Carla, a chance de disputar estritamente "na mesa" a vaga em sua classe mudou essa perspectiva. "Mesmo tendo diminuído os treinos e com noção da qualidade das adversárias, eu não me perdoaria se não tentasse. Por mais que soubesse do risco de fechar minha carreira numa derrota amargurada, triste, decidi vir e apostar", resumiu.

Carla transcende a expressão atleta. Desde 2003, é uma espécie de "missionária", como ela define, do esporte paralímpico. Missionária porque, ao mesmo tempo em que se dedicava aos treinos, militava pelo esporte adaptado como repórter. Descobriu a modalidade em 2003, no trabalho final de curso da faculdade. Na ocasião, fez uma entrevista com Iranildo Espíndola, um dos pioneiros do tênis de mesa paralímpico, que por coincidência levou uma das vagas da seletiva desta segunda para tentar o quinto título no megaevento continental.

"Eu estava me formando e fiz um programa de televisão com o Iranildo. O Zé (José Ricardo Rizzone, técnico) me viu, enxergou ali um potencial e me chamou para jogar. Não havia meninas na minha categoria. Assim, automaticamente eu era a melhor", brincou. No mesmo ano, disputou o Parapan específico do tênis de mesa, ficou em segundo e bateu na trave de uma Paralimpíada. "Na final, eu podia perder por 3 x 2 que iria para Atenas, mas perdi de 3 x 1. Por um set. Fiquei louca", recordou.

Se não podia ir como atleta, foi como jornalista. Várias vezes. Cobriu os Jogos Paralímpicos da Grécia por um projeto da Universidade Católica. E ali sacramentou a relação. "Em 2008, em Pequim, fui comentarista aqui mesmo, do Brasil. Em 2012, nos Jogos de Londres, cobri in loco pela TV Brasil. Em 2015, fiz o Parapan de Toronto. Em 2016, novamente estava lá como repórter", listou. Como atleta, disputou os Jogos Parapan-Americanos do Rio, em 2007, e diversas competições internacionais. Mas o namoro com os megaeventos como atleta andava arredio. Até a seletiva paulista.

"Apesar de estar um pouco enferrujada, eu sabia da minha qualidade. Tenho experiência. Jogo há anos. Isso pesa na balança. Agora é voar para o Parapan. Isso muda tudo. Todos os meus planos", celebrou Carla, que foi a melhor na disputa contra Juliana Silva, Valéria Schmidt, Ana Paula Oliveira, Fabíula da Silva e Walquíria Coimbra. O trabalho ficou um pouco facilitado porque a titular da vaga na seleção, a vice-campeã mundial Cátia Oliveira, já havia assegurado a vaga sem precisar de seletiva.

carla_limp1.jpeg
Foto: Gustavo Cunha/rededoesporte.gov.br

Sangramento na medula

A Classe 2 do tênis de mesa paralímpico é voltada para atletas cadeirantes, com tetraplegia. Carla teve um sangramento na medula quando tinha 17 anos. "O sangue que se depositou ali não deixou os neurônios receberem oxigênio. Eles atrofiaram e morreram". A condição significa limitação de movimentos em pernas, tronco e braços. Um enorme desafio para a prática do tênis de mesa.

"Eu não mexo as mãos. Não tenho mobilidade nos dedos das mãos. Isso me limita a pegada da raquete, porque precisa do pulso para dar efeito na bolinha. O pulso também é enfraquecido, o que faz ficar mais difícil a firmeza na raquete. Fora a questão do tronco, que limita a agilidade. Pegar bola curta, pegar bola angulada, pegar bola rápida", detalhou.

A dificuldade de mobilidade, contudo, não restringiu sonhos. Além do percurso como repórter e atleta, Carla se atreveu, também, num concurso de miss cadeirante, na Polônia, em 2017. "Caiu no meu colo. Se Deus fechou a porta em 2016, abriu uma janela enorme. Foi muito legal estar lá. Um orgulho. Não descarto atuar como modelo. Gostei da experiência, tive alguns convites. Recentemente, uma grande marca internacional fez uma linha de roupas para cadeirantes. Antigamente, as empresas tinham medo de passar uma imagem negativa. Hoje, passam a ideia de inclusão".

Gustavo Cunha, de São Paulo - rededoesporte.gov.br