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Geral

07/02/2018 07h40

PyeongChang 2018

Muito mais que uma descida a 150 km/h: conheça a rotina da equipe brasileira de bobsled

Os atletas do país nos Jogos Olímpicos de Inverno explicam os bastidores de uma prova do trenó de alta velocidade no gelo

 

Os momentos cruciais para um atleta de bobsled em uma competição duram pouco tempo. Eles ouvem o sinal sonoro de que a pista está liberada, disparam à máxima potência que conseguem, empurram o trenó por cerca de 50m em um piso de gelo, pulam dentro do veículo, se abaixam e pilotam até o fim da descida. Tudo isso dura menos de um minuto. No entanto, não é tão simples o cotidiano dos cinco integrantes da equipe brasileira de bobsled em PyeongChang (Coreia do Sul), sede dos Jogos Olímpicos de Inverno de 2018.

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Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

 

"Quem assiste à competição pela televisão não imagina o trabalho que os atletas têm antes e depois de cada descida", conta Odirlei Pessoni, pusher (atleta que empurra o trenó) do 4-man e uma espécie de faz-tudo do quinteto presente aos Jogos. Além de Pessoni, a equipe conta com o piloto Edson Bindilatti e os pushers Edson Martins e Rafael Souza, além do reserva Erick Vianna.

Cada dia de treino começa cedo. Após a saída da Vila Olímpica de PyeongChang, onde os atletas estão hospedados, uma rápida conexão de ônibus até a chegada ao local da prova, o Olympic Sliding Centre. Ao lado da Finish House (local da chegada da prova), há uma série de containers ao ar livre, onde cada time monta seu quartel-general de cerca de 18 metros quadrados.

 

Equipe brasileira de bobsled
4-man
Piloto: Edson Bindilatti
Posição 2: Odirlei Pessoni
Posição 3: Edson Martins
Posição 4 (brakeman): Rafael Souza
2-man
Piloto: Edson Bindilatti
Posição 2 (brakeman): Edson Martins
Reserva
Erick Vianna

Os próprios atletas tiram os trenós (para duas ou para quatro pessoas) lá de dentro e, na frente do container e sob um frio que chegou a 12 graus negativos durante o início da manhã, eles instalam as lâminas que fazem o contato com o gelo. Há vários tipos delas e a escolha depende das condições de temperatura do local e do tipo de pista. "Nesse último ciclo olímpico, a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo focou na preparação da equipe de bobsled. Tivemos um salto muito grande de qualidade após uma parceria com a equipe dos Estados Unidos, que nos proporcionou treinar várias vezes na cidade de Lake Placid (perto da fronteira do estado americano de Nova York com o Canadá). A escolha exata de cada lâmina é um exemplo disso, pois elas funcionam como os pneus de um carro de Fórmula 1. A cada pequena mudança do piso, temos que fazer a escolha correta. Hoje, temos experiência suficiente para não errarmos", explica Matheus Figueiredo, presidente da CBDG. Ele acompanha de perto todo o processo e atua como chefe de equipe, gerente, psicólogo e conselheiro.

Outro resultado da parceria com os norte-americanos é a contratação da treinadora Shauna Rohbock, medalha de prata nos Jogos de Inverno de Turim, em 2006, e duas vezes vice-campeã mundial de bobsled (2009 e 2011). "Eles tiveram uma evolução muito grande de Sochi, em 2014, até hoje. Edson Bindilatti é um ótimo piloto e consegue fazer mudanças rápidas lá na pista. Os equipamentos da delegação também são melhores. É muito satisfatório ver como eles evoluíram nesses anos e tenho certeza que traduzirão isso em resultados aqui em PyeongChang", afirma Shauna, que também foi jogadora profissional de futebol.

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Rafael Souza, Edson Martins, Odirlei Pessoni, Edson Bindilatti e Erick Vianna. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

Com as lâminas instaladas, o trenó ainda precisa ser levado para a Start House (local da largada). A estrada tem uma subida tão íngreme que assustaria até mesmo ciclistas profissionais. Os próprios atletas carregam o trenó para um dos vários pequenos caminhões que fazem o trajeto montanha-acima-montanha-abaixo. Junto do veículo, têm de subir os capacetes, uniformes de competição, agasalhos, ferramentas, capas de proteção para o equipamento e cavaletes de sustentação. Com o carregamento feito, todos sobem na caçamba e fazem o deslocamento para, na chegada à Start House, descarregarem tudo de novo.

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Shauna Rohbock, treinadora da equipe. Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

Lá no topo da montanha, o trenó é colocado em cima de cavaletes e deixado em um pátio coletivo ao lado do início da pista. Os atletas, então, sobem para os andares superiores da Start House, onde ficam os vestiários e salas de aquecimento (uma fechada e aquecida - onde fazem alongamentos -, e uma aberta, para corridas curtas e aquecimento aeróbico). "Aqui, todos os competidores se encontram. É um ambiente divertido. E assim que estamos no ponto, começa o ritual da vestimenta no lounge dos atletas", explica Edson Bindilatti.

Como ritual, leia-se tirar o agasalho, ajustar o uniforme de competição, colocar o capacete - do mesmo tipo utilizado em corridas de Fórmula 1 e de motovelocidade - e preparar o calçado. O tênis é uma espécie de sapatilha incrementada com cerca de 500 agulhas na sola. Elas servem para dar maior tração no momento do push (o empurrão inicial no início da prova). A pista é completamente coberta com gelo e qualquer outro calçado inviabilizaria o equilíbrio.

Minutos antes do horário estipulado para a descida, os atletas levam seus trenós para uma fila de espera. Então, no momento que a dupla ou quarteto anterior tira seu trenó do fim da pista, a descida está liberada. Só então acontece o processo descrito no primeiro parágrafo: soa o sinal sonoro, o piloto escolhe o momento, grita alto e eles saem em disparada empurrando o trenó com toda força possível. Em cerca de 50 segundos, o brakeman recebe do piloto o aviso de que a linha de chegada ficou para trás e aciona o freio. A seguir, os quatro tiram o trenó do gelo e o levam novamente para o caminhão que fará o trajeto montanha acima, rumo à Start House. 

Se for a última descida do dia, o destino é o container. E um novo trabalho se inicia: virar o trenó, desmontar as lâminas, anotar qual ajuste foi usado, encaixar um trilho de proteção às hastes que seguram as lâminas, carregar o trenó para dentro do container, organizar a bagunça de sacolas, toalhas e material esportivo para, só então, fechar a porta, passar a chave e terminar o turno de trabalho.

"Essa a dinâmica é a mesma para todos os participantes. Alguns países têm mais de uma equipe na disputa e uma maior tradição. Esses têm uma comissão maior e contam com mecânicos. Mas, aqui no nosso container, todos ajudam de alguma forma", acrescenta Pessoni, enquanto constrói um varal para pendurar objetos dentro do box brasileiro. Antes de se especializar no bobsled, ele foi campeão sul-americano de decatlo enquanto trabalhava na construção civil e fazia todos os tipos de consertos em residências. A experiência do atleta com construções foi útil para a modalidade no Brasil, pois ele mesmo desenhou e construiu uma push track (local para treinamento de largada) no Núcleo de Alto Rendimento, onde a equipe treina em São Paulo.

Apenas após passar a ser bolsista do Bolsa Atleta ele conseguiu dedicar-se totalmente ao bobsled. Os outros quatro integrantes da equipe também contam com o benefício concedido pelo Ministério do Esporte. "Esse apoio financeiro faz toda a diferença para um atleta de modalidade pouco popular. Todos nós tínhamos que trabalhar em horário integral e o esporte não era a ocupação principal", conta Edson Martins. Em PyeongChang, todos os atletas da delegação brasileira fazem parte de alguma categoria da Bolsa Atleta.

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Foto: Abelardo Mendes Jr/rededoesporte.gov.br

 

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"Cada detalhe de preparação faz toda a diferença em uma prova tão curta. Por isso, a garantia financeira que temos com a Bolsa Atleta, a preparação física e técnica no Brasil e a experiência que ganhamos com os ensinamentos da Shauna e em competições internacionais foram tão importantes", acrescenta o brakeman do 4-man Edson Martins, que, ao lado de Bindilatti, também competirá na categoria 2-man - em PyeongChang será a primeira participação olímpica brasileira no trenó de duas pessoas.

Sobre a expectativa de performance na Coreia do Sul, o presidente da CBDG explica que tudo pode acontecer. "Temos que trabalhar a consistência e fazer quatro boas descidas. No evento-teste da pista, em 2017, a diferença do primeiro para o 22º lugar, que fomos nós, foi de oito décimos de segundo. Com quatro décimos a menos, ficaríamos no Top 10. Com isso, acredito que temos performance para ficar no Top 15 aqui em PyeongChang", afirma Matheus Figueiredo.

Treino do 2-man

A equipe brasileira de bobsled participou de um treino de reconhecimento da pista do Olympic Sliding Centre na manhã (horário local) desta quarta-feira (14.02), em PyeongChang, na Coreia do Sul, onde serão realizados os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018. O dia foi dedicado ao 2-man. O piloto Edson Bindilatti desceu duas vezes - uma com o brakeman titular Edson Martins e outra com o brakeman reserva Rafael Souza.

Resultados do Brasil

» Duas medalhas de bronze no Mundial de Push em 2016 (2-man e 4-man)

» Campeão da Copa América de Bobsled 4-man em 2015 e 2018

» 14 medalhas em etapas de Copa América nos últimos quatro anos

» 17ª posição no ranking internacional em 2017 (a melhor da história)

Entenda o bobsled

Os trenós são feitos de uma combinação de metais leves e primam pela aerodinâmica. O do categoria 4-man pode chegar a 3,8 metros e o da 2-man não passa de 2,7 metros. Durante a descida, a velocidade máxima por vezes alcança 150 km/h e os atletas podem sofrer a pressão de força de até 5G.

No 4-man, o piloto empurra o trenó por 20m e pula antes para dentro do cockpit. Em seguida, os pushers 2 (que fica à esquerda do trenó, logo atrás do piloto) e 3 (à direita do trenó) também entram e ficam em posição intermediária. Quando o quarto atleta (que empurra por trás do trenó e é denominado brakeman, por ser responsável por frear o trenó) entra, ele dá um aviso e todos ficam na posição de descida. No 2-man, o piloto empurra pelo lado esquerdo e o brakeman empurra por trás. O momento da largada é chamado de push. Nos 50m disponíveis para a tração, o trenó alcança cerca de 40 km/h. Na descida, a aerodinâmica, a destreza do piloto e a força da gravidade fazem a velocidade alcançar 150 km/h.

As pistas são de concreto e cobertas por gelo. Elas devem ter entre 1.200 e 1.300 metros e possuir pelo menos 15 curvas. O piloto precisa ter todo o trajeto memorizado para acelerar o reflexo a cada instante.

Nos Jogos Olímpicos, as medalhas são disputadas em quatro descidas, divididas em dois dias. Todos os trenós de cada modalidade fazem três descidas e, com tempo somado, os 20 mais rápidos realizam a quarta e decisiva descida. O conjunto com o menor tempo total fica com o ouro.

De PyeongChang (Coreia do Sul), Abelardo Mendes Jr - rededoesporte.gov.br