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Atletismo

19/08/2016 18h35

Entrevista

Duplas campeãs olímpicas apontam foco, respeito e técnico "pai" como segredo do sucesso

Martine e Kahena e Alison e Bruno falam que a sintonia dentro das equipes funciona quase como um "casamento"

Enquanto um está preocupado com o bloqueio, o outro precisa proteger o fundo de quadra. A proeira depende da qualidade e lealdade da timoneira no meio do mar. O destino quis que, num intervalo de nove horas entre um pódio e outro, duas duplas brasileiras conquistassem o ouro nos Jogos Rio 2016, uma no vôlei de praia e outra na vela. Martine Grael e Kahena Kunze na Marina da Glória, além de Alison Cerutti e Bruno Schmidt em Copacabana chegaram ao ápice de qualquer parceria na tarde desta quinta-feira (18.08) e na madrugada desta sexta-feira (19.08).

Foto: Francisco Medeiros/Brasil2016.gov.br

No caso dos homens, o projeto que eles chamam de "casamento" começou em 2014. Alison queria um resultado melhor que a prata de Londres 2012. Bruno Schmidt buscava se manter em boa fase após a parceria com Pedro Solberg. Os dois bem diferentes, um "Mamute", experiente, e o outro estreante de altura considerada baixa para o vôlei de praia. Mas os dois se completaram, a ponto de chegarem como favoritos à medalha.

Além dos aspectos técnicos que caracterizam Alison, o maior pontuador da Olimpíada, e Bruno, com uma excelente cobertura de quadra, a sintonia da dupla é fundamental nas areias. Um relacionamento forte, inclusive fora das competições, para que na quadra tudo funcione de acordo com o treino do técnico Leandro Brachola.

"São muitas viagens, e a gente tem que procurar dar um equilíbrio para o time. Um dos papéis que eu tenho, além de preparar a parte técnica e a parte tática, é mostrar o melhor caminho de um para o outro. Eles são bem diferentes e isso acaba sendo bom, porque eles se completam, mas tenho que mostrar um para o outro a importância e o respeito a essas diferenças para tirar o melhor para o time", comentou o treinador.

Brachola, aliás, foi surpreendido pela dupla nesta sexta-feira. Alison interrompeu as perguntas dos jornalistas em coletiva de imprensa para presentear o técnico com uma réplica da medalha de ouro. Os treinadores não vão ao pódio.

Foto: Francisco Medeiros/Brasil2016.gov.br

O técnico em momentos de tensão representa quase um pai para acalmar os ânimos dos filhos. Mas entre os dois, também são importantes valores como respeito e foco no objetivo único para fortalecer a dupla.

"A palavra essencial é respeito. A gente se respeita muito, se juntou pelo mesmo objetivo. Unimos essa dupla com toda essa estrutura técnica, com a comissão técnica, todos com o mesmo objetivo: ser campeão olímpico. Isso aqui é um casamento. A gente convive mais um com o outro do que com nossos familiares. Sei o que ele gosta de comer, como gosta de dormir, as roupas dele, as manias e vice-versa", revela Alison.

No entanto, até chegar ao ouro, mesmo com toda amizade fora de quadra, as discussões acontecem em momentos que o técnico não pode interferir, como na única derrota ao longo do torneio, para a dupla da Áustria. É nessa hora que o foco e a humildade entram em cena para não se desviar do sonho olímpico.

"Até brinquei por ele ser o manda-chuva da dupla. Em algum momento a gente acaba discordando ou então reclamando da forma da cobrança. É o sangue quente que rola no jogo, mas isso até ajuda a fortalecer mais nosso time. E ele é como irmão, né? Nosso objetivo era o mesmo e depois do jogo falei pra ele: 'Não vou conseguir te pagar em vida o que você me propiciou nessa madrugada com essa vitória olímpica'", comentou Bruno.

Sonho de juventude

Martine Grael e Kahena Kunze, ambas com 25 anos, já vinham de uma parceria bem mais longa que a de Alison e Bruno. Começaram com o título mundial júnior em 2009, na classe 420. Depois, Kahena saiu da dupla para estudar engenharia ambiental. Mas o sonho olímpico renasceu quando anunciaram a classe 49er FX para os Jogos do Rio, na Baía de Guanabara, um lugar que conhecem tão bem.

Foto: Francisco Medeiros/Brasil2016.gov.br

A parceria recomeçou em 2012, logo no início do ciclo olímpico. A antecedência na preparação e a experiência que as duas tinham foram fundamentais na disputa pela medalha. "Desde o primeiro dia que a classe foi confirmada na Olimpíada, a gente estava na água. Foi muita dedicação. Não adianta uma querer muito uma coisa e a outra não. Tem que ter química. As duas tem que querer o mesmo objetivo", analisou Kahena.

No caso delas, o andamento da competição também gera momentos tensos. Martine e Kahena tiveram regularidade nas regatas e levaram o ouro, mas também vieram resultados como um 11º lugar na nona prova. Momentos que, segundo elas, testam a solidez da parceria. "Tem que ter muita tolerância também, porque o relacionamento é posto à prova várias vezes. É intenso. A gente viaja, dorme junto, come junto, passa 24h por dia, sete dias por semana, às vezes viajando por até três meses", disse Martine.

"Durante esses 4 anos, o que mais aprendemos é ouvir uma a outra. Por mais que a gente se conhecesse, sempre tem alguma coisa que incomoda. A gente trabalhou bastante nossa comunicação", completou Kahena.

Também em momentos como esse, não só ajudam os conselhos do pai de Martine, o bicampeão olímpico Torben Grael, mas também a orientação do técnico para que a dupla se entenda bem dentro e fora d'água. "Dedico essa medalha ao nosso técnico (Javier Torres), que foi excepcional nessa trajetória. Eu e a Martine, nós somos muito competitivas, e ele soube apaziguar. Não brigas exatamente, mas as nossas discussões. Ele teve um papel fundamental", explicou Kahena.

Apesar da sintonia nas respostas e na felicidade após o ouro olímpico, Martine e Kahena evitaram falar em futuras competições e não confirmaram se a dupla continua junta pro próximo ciclo.

Apoio

Além dos desafios de relacionamento, outros obstáculos apareceram para as duplas, ao longo da caminhada rumo aos ouros. Para Bruno Schmidt, sempre foi um desafio lidar com a diferença de altura para os rivais.

"As pessoas que importavam nunca me deixaram desistir por causa da altura. Esse bullying no vôlei está se extinguindo e fico feliz de ver novos atletas habilidosos, que não são gigantes, brigando de igual para igual com quem está lá fora. Fico feliz de ver que o vôlei de praia está voltando a ser democrático", contou.

No caso da vela, o esforço foi para não se distrair diante de uma situação incomum: o clima e a energia da torcida brasileira. "Você está em casa, com toda aquela torcida... Tentei não olhar muito, porque havia uma multidão. Falei: 'Nossa! Se eu olhar agora meu coração vai bater ainda mais!"

Duplas de origens diferentes, mas com desafios similares, e ambas concordam que programas como o Bolsa Pódio contribuem para que os atletas tenham ainda mais foco nas competições. "Bolsa pódio é essencial, fundamental. Nos dá segurança. Se hoje estamos aqui, é graças ao programa, à confederação (de vôlei) e ao comitê, que nos dão essa segurança", afirmou Alison "Mamute". Os quatro medalhistas de ouro na Rio 2016 receberam o benefício da Bolsa Pódio neste ano.

Rodrigo Vasconcelos - brasil2016.gov.br