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05/12/2015 14h11

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Conheça Claressa Shields, a menina de ouro do boxe norte-americano

Campeã olímpica em Londres 2012, atual campeã mundial e número 1 do ranking internacional aos 20 anos, ela está no Rio de Janeiro com a equipe dos Estados Unidos para o evento-teste e avisa que voltará em poucos meses para brigar pelo bi dos Jogos em 2016

Os Jogos Olímpicos Rio 2016 trarão ao Brasil as maiores personalidades do esporte mundial em 42 modalidades. Nomes como Roger Federer, Rafael Nadal, Novak Djokovic, no tênis; Usain Bolt, no atletismo; Lebron James & cia., no basquete; são exemplos de estrelas que desembarcarão na capital fluminense e que dispensam apresentações. Mas se você é do tipo que se interessa em ver em ação grandes atletas de esportes que não são muito comuns entre o público brasileiro e pretende acompanhar de perto (ou mesmo pela televisão) o boxe é bom anotar um nome em sua agenda: Claressa Shields.

Nascida em 17 de março de 1995, na cidade de Flint, em Michigan, a norte-americana é a atual campeã olímpica da categoria meio-pesado (75kg). É também a número 1 do mundo no ranking da Associação Internacional de Boxe (AIBA), com 2250 pontos, 550 a mais do que a segunda colocada, a holandesa Nouchka Fontijn.

Claressa Shields com calçadão de Copacabana ao fundo: sonho de brilhar no Rio de Janeiro em 2016. Foto: Harry How/Getty Images

A vitória sobre a russa Nadezda Torlopova na final dos Jogos de Londres 2012 – os primeiros da história a terem competições femininas de boxe –, transformou Claressa Shields em uma atleta diferenciada nos Estados Unidos. Afinal, vinda de um país que já conquistou centenas de medalhas douradas ao longo da história, ser a única norte-americana campeã olímpica do boxe é algo que diverte a lutadora. “Eu me sinto ótima por ser a única do meu tipo nos Estados Unidos. Quero fazer isso de novo”, diz sorrindo.

Claressa tornou-se campeã olímpica aos 17 anos. Apesar de ser um fenômeno em seu esporte e de ter uma carreira marcada por diversos títulos (veja currículo abaixo), o triunfo em Londres a elevou a um novo patamar nos Estados Unidos.

“Quando voltei para casa após as Olimpíadas muita coisa mudou. Eu ainda não era um nome nacionalmente conhecido, mas depois daquele ouro eu tenho conseguido patrocínios (ela fez um comercial nacional para a Audi) e tenho dado muitas entrevistas e feito muitas fotos”, conta Claressa. A vida financeira também não é mais a mesma. E isso faz muita diferença para os Shields – em 2013, ela se tornou a primeira pessoa de sua família a obter diploma da high school (equivalente ao ensino médio no Brasil).

“Depois das Olimpíadas, eu nunca mais tive nenhum tipo de problema financeiro. Vivo no Centro Olímpico agora (no Colorado), onde vou ficar pelos próximos meses, e a USA Boxing faz um grande trabalho me ajudando sempre que preciso. Não são apenas pessoas que trabalham com boxe. São meus amigos. Somos como uma grande família. Isso inclui o apoio médico, as massagens e mesmo entendendo quando eu preciso de um tempo e quero ir para casa. Eles entendem isso”, detalha. “Depois dos Jogos Olímpicos, pude ajudar minha família financeiramente e isso me deu uma visão muito clara de que hoje eu não sei como seria se eu tivesse voltado para casa de Londres sem uma medalha ou com a medalha de prata ou de bronze. Então, agradeço a Deus pela medalha de ouro e peço que ele me deixe conquistá-la de novo”.

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Claressa Shields (à direita), com o mito do boxe Muhammad Ali (ao centro), durante premiação de uma medalha de honra: celebridade nos Estados Unidos após o ouro em Londres 2012. Foto: Jessica Kourkounis/Getty Images

Claressa desembarcou no Rio de Janeiro no início desta semana para acompanhar o Torneio Internacional de Boxe, evento-teste da modalidade para os Jogos Olímpicos Rio 2016 que começou na sexta-feira (4.12) e termina neste domingo (6.12), no Pavilhão 4 do Riocentro. A ideia era, obviamente, competir. Mas uma lesão no punho direito não permitiu. Ela admite a frustração, mas diz que está feliz por estar no Brasil e poder ajudar a equipe.

“Não vou dizer que é legal ter vindo para cá e não lutar. Não esperava que isso fosse acontecer. Mentalmente, sinto que foi um pouco como um desastre”, reconhece. “Eu nunca viajei para um país onde eu não tivesse que lutar e pudesse ficar só relaxando. Aqui eu não estou relaxando. Tenho treinado duas vezes por dia e acho que isso é o que me faz diferente da maioria dos atletas. Muita gente quando está lesionada prefere não treinar. Mas no meu caso, mesmo que eu não estivesse aqui eu estaria em casa treinando. Mas estar aqui no Brasil é importante para mim. Tenho outras companheiras de time que vão lutar os Jogos de 2016 e quero dar meu total apoio a elas. Não é mais como se fôssemos apenas um time. Agora nos tornamos irmãs. Então, tenho que estar aqui por elas. Tenho que estar apoiando nas arquibancadas. Quando elas perderem, quero estar lá para dar um força e também estar por perto quando elas vencerem para celebrar. Foi por isso que eu vim para o Brasil”.

A campeã olímpica conta que ainda não teve chance de conhecer a cidade, mas que pretende fazer isso antes de voltar para os Estados Unidos. Embora tenha demonstrado um certo espanto por perceber que muitas instalações para 2016 ainda não estão prontas, ela disse que confia que tudo ficará pronto a tempo.

“Eu tenho ficado a maioria do tempo no meu quarto. Mas o quarto é ótimo, a comida é ótima, o hotel é ótimo e ainda não tive nenhuma experiência desagradável com ninguém aqui no Brasil. Então, considero que é um lugar bem legal. Mas vejo que eles (o Comitê Rio 2016) ainda têm muita coisa para fazer na Vila Olímpica e nas instalações que vão receber o boxe nas Olimpíadas. Eles ainda têm vários meses para deixar tudo pronto, mas vejo que vão precisar de muito trabalho”, avalia. “Quero conhecer o Cristo Redentor e ir à praia. Eu nunca fui muito do tipo de pessoa que fica visitando os pontos turísticos, sabe? Mas as pessoas me disseram que o Rio era bonito e único. Então, quero sair um pouco e tirar fotos do que as pessoas dizem que é legal”.

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Claressa Shields, com o ouro dos Jogos Olímpicos de Londres 2012. Foto:Scott Heavey/Getty Images

Só de ouro

Claressa começou a lutar aos 11 anos e ao longo de sua carreira trilhou um caminho dourado impressionante. “Eu nunca conquistei uma medalha que não fosse de ouro. No Mundial que perdi (em 2012, quando foi derrotada na segunda luta), eu não ganhei medalha. Então, não ganhei uma prata ou um bronze. Eu não tenho medalhas de prata ou bronze. Eu ganhei todos os torneios que disputei desde que eu tinha 11 anos, exceto esse”, diz orgulhosa.

Entre tantos títulos, o conquistado nos Jogos de Londres 2012 significou um novo capítulo na vida de Claressa. Hoje ela se tornou visada pelas rivais, que querem desbancá-la em qualquer competição. Por isso, a campeã olímpica tem ciência de que dentro de alguns meses viverá seu maior desafio no Rio de Janeiro.

“O boxe feminino se desenvolveu muito nos últimos anos. Especialmente depois que eu ganhei nos Jogos Olímpicos de Londres. Ali foi o auge para as boxeadoras sobre como as mulheres deviam lutar e como elas deviam ser vistas e todas passaram a querer aquilo. Eu disputei muitos torneios difíceis depois das Olimpíadas e tenho visto muitas meninas mudando de estilo. As competições têm ficado cada vez mais difíceis. As meninas estão evoluindo e acho que apresentamos mais entretenimento (no ringue) e lutamos melhor do que os homens”, acredita.

“Meu plano é continuar invicta nessas Olimpíadas. Eu só tive uma derrota até hoje e planejo seguir só com essa derrota. Minha meta é ganhar o Mundial (em maio) e depois ganhar as Olimpíadas de novo. Mas não acho que vai ser mais fácil do que foi em 2012. Quando eu vou para uma luta, sinto que eu sou aquela que tem tudo a perder. A menina que me derrotar terá vencido a campeã olímpica e isso quer dizer muito. Acho que a meta das meninas agora não é mais vencer campeonatos. É ganhar da Claressa Shields, porque elas sabem que eu vou estar lá na final. É assim que eu enxergo as coisas e para isso que eu treino. Eu treino muito duro porque eu sei que será muito duro para conquistar o ouro de novo. Mas vou me doar 120%”.

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Para Claressa, até mesmo a atitude de quem está fora do ringue mudou após o triunfo em Londres. “Depois das Olimpíadas, percebi que as expectativas que os juízes passaram a ter sobre mim mudaram. Elas aumentaram incrivelmente. Eu tive algumas decisões que não foram unânimes e isso só aconteceu porque os juízes esperam muito de mim. Eu não posso ter um dia ruim nunca. Não posso jamais chegar a um torneio fora de forma. Não posso jamais me permitir ficar nas cordas ou ter uma luta mais parelha, porque depois que eu ganhei o ouro nas Olimpíadas eles passaram a me ver em uma posição acima e essa posição acima é como se fosse a perfeição”, relata. “Nós disputamos quatro rounds (de dois minutos cada). Se eu perder o primeiro, o juiz espera que eu me ajuste imediatamente e vença os últimos três. Então, eles me avaliam em um estágio bem elevado. Mas eu acho que mereço estar nessa posição e treino muito duro para me manter assim”.

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Foto: Harry How/Getty Images

Retorno ao juvenil

Após voltar de Londres, Claressa viveu experiências glorificantes. Ela foi recebida no aeroporto de sua cidade por mais de 500 pessoas e se tornou uma celebridade em Flint, sendo parada para fotos e autógrafos constantemente. Além disso, foi homenageada pelo Senado em Michigan, foi apresentada ao vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e recebeu uma medalha de honra pelo sucesso nas Olimpíadas

Apesar de todo o destaque que obteve após o ouro na Inglaterra, ela viveu uma situação inusitada por conta de sua pouca idade. Antes dos Jogos de Londres, Claressa quase disse adeus ao esporte após ter sido informada de forma incorreta de que era jovem demais para disputar as Olimpíadas na Inglaterra. Após o retorno, já consagrada como campeã olímpica, uma mudança nas regras do Campeonato Mundial a forçou a disputar uma competição inesperada.

“Depois de 2012, eles mudaram as regras do Mundial. Antes, era aberto a atletas dos 17 até 34 anos. Mas depois das Olimpíadas eles mudaram para 19 até 41 anos. Eu ganhei as Olimpíadas quando eu tinha 17 anos. Então, tive que voltar e disputar o Mundial juvenil, para atletas de 17 e 18 anos”, recorda.

As rivais naquela competição obviamente tremeram. “Muitas meninas ficaram aterrorizadas quando eu cheguei para disputar o Mundial juvenil em 2013”, conta, divertindo-se. “Mas foi a única vez que eu disputei essa competição”, ressalta. O resultado? Precisa contar?

Pressão e sparring

Um clichê no mundo dos esportes diz que se chegar ao topo é difícil, manter-se lá é ainda mais complicado. Claressa concorda em parte, mas diz que não se sente pressionada pelo sucesso.

“As pessoas deixam que a pressão as afete demais e eu não sou uma dessas pessoas. Eu não sinto que sou obrigada a lutar boxe. Eu luto porque eu quero e porque eu amo fazer isso”, diz com uma maturidade incomum para alguém tão nova. “Não vou deixar que nada ou ninguém tire de mim o fato de eu me divertir com isso. Eu vou para o ginásio e gosto de treinar. Eu sou a minha maior crítica. Quando eu vejo uma luta minha, vejo todos os meu erros. Todos eles. Mas vejo também os pontos em que eu sou boa e aí passo a trabalhar para ser melhor ainda. Eu faço isso por mim. Eu não perdi uma única luta nos últimos três anos. Meu retrospecto são 66 vitórias e uma derrota. Eu não deixo pressão nenhuma me afetar. Eu sei do que sou capaz, eu sei o que tenho que fazer e sei o quanto tenho que trabalhar e estou pronta para fazer isso”, ensina.

Para Claressa Shields, a receita do sucesso passa em grande parte pela preparação. E até nesse ponto sua vida mudou radicamente após o sucesso em 2012. Sua maneira de treinar nunca mais foi a mesma e nessa nova fase os sparrings (parceiros que vão para o ringue simular rivais durante os treinos e que são considerados um dos pilares dos trabalhos no mundo do boxe) perderam espaço drasticamente.

“Eu raramente treino com sparrings. Eu quase nunca faço porque não gosto. Eu faço isso acho que uma vez a cada duas semanas, enquanto outras pessoas fazem umas quatro vezes por semana. Treino com sparings só uma ou duas vezes por mês”, revela.

“Mas não foi sempre assim. Eu comecei a fazer isso depois das Olimpíadas. Nos treinos na minha cidade natal, em Flint, nós costumávamos treinar com sparring duas vezes por dia, todos os dias. Quando eu cheguei aos 17 anos, senti que não precisava mais. Não precisava mais treinar tantas vezes com sparrings para saber o que eu precisava fazer quando subisse ao ringue para lutar. Isso me pareceu ridículo”, continua.

“Você recebe muitos golpes treinando com sparrings e para quê? Honestamente, prefiro que meu corpo fique bem e me preservo para as competições. Eu sempre gravo meus treinos com os sparings. Então, depois eu assisto, vejo o que preciso melhorar e trabalho em cima disso nas semanas em que não estou com sparrings no ringue. Depois de duas ou três semanas, volto a treinar com sparring para ver se consegui melhorar. Desse jeito eu sinto que estou sempre melhorando”.

Mais forte e mais rápida

Após ter adotado uma nova fórmula de treinos, Claressa Shields sente-se uma atleta ainda mais completa do que aquela que brilhou nos Jogos Olímpicos de Londres. Por isso, quem estiver planejando superá-la no Rio é bom acender a luz de alerta.

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Claressa em ação em Londres 2012: mais forte e mais rápida para 2016. Foto:Scott Heavey/Getty Images

“Acho que melhorei em todos os aspectos desde 2012. As meninas achavam que eu era forte e rápida lá, mas estou definitivamente mais rápida agora e muito mais forte também”, avalia. “Sinto que melhorei muito como lutadora. Consegui me redimir da minha derrota no Mundial de 2014 e, hoje, depois de ter me dedicado ainda mais aos treinos, vejo os vídeos de minhas lutas quando eu tinha 17, 18 e 19 anos e comparo com as de hoje, com 20 anos, e sei que definitivamente estou mais rápida, mais forte e que o meu jogo mental está muito melhor. Minha mente está tão forte que não deixo nada me atingir. Eu traço minhas decisões e estou ok com isso. Eu trabalho para fazer com que o boxe seja o mais fácil possível para mim.”

Aos 20 anos, Claressa Shields já acumula experiências que a maioria dos atletas não viverão para contar. Mas ela sabe que sua caminhada está só no começo e, longe de se contentar com o que fez, olha pra frente e vislumbra mais sucesso. Por isso, ela conta o que espera dos Jogos Olímpicos do Rio, daqui a exatos oito meses (a cerimônia de abertura será no dia 5 de agosto).

“Espero estar livre de lesões e espero estar saudável quando chegar a hora de lutar em 2016. Sou super focada e não sou o tipo de pessoa que fica muito quieta ou muito diferente quando tenho que lutar. Então, quero sair um pouco e assistir a outras competições nas Olimpíadas. Mas o que eu mais espero mesmo é voltar aqui e ganhar”, diz, sem rodeiros.

Quem é ela

Nome: Claressa Shields
Data de nascimento: 17 de março de 1995
Local: Flint, Michigan (EUA)
Altura: 1,79m
Categoria: peso médio (75kg)
Posição no ranking mundial: 1ª na lista da Associação Mundial de Boxe (AIBA)
Principais resultados:
» ouro nos Jogos Olímpicos de Londres 2012
» ouro no Campeonato Mundial adulto de 2014
» ouro no Campeonato Mundial Juvenil de 2013
» ouro nos Jogos Pan-Americanos de Toronto 2015

Do Rio de Janeiro, Luiz Roberto Magalhães – brasil2016.gov.br