Atletismo
Tiro com Arco
Brasileiro alcança vitórias épicas e recebe elogios do "arqueiro sem braços"
São 20 segundos para o atleta firmar o arco, fazer a mira precisa no alvo, de oito centímetros de diâmetro e que fica a 50 metros de distância, e soltar a flecha. Andrey Muniz executava com destreza os tiros sentado em sua cadeira de rodas, nesta quarta-feira (14.09). Disparo a disparo, ele ia deixando para trás poderosos adversários da classe ARW2 da competição individual do arco composto no Sambódromo do Rio de Janeiro.
Na classificatória, o sul-coreano Ouk-Soo Lee, campeão mundial em 2015. Nas oitavas de final, o norte-americano Matt Stutzman, prata nas Paralimpíadas de Londres 2012 e no Parapan do ano passado. No entanto, na fase seguinte, o brasileiro enfrentou Andre Shelby, campeão parapan-americano, e que horas mais tarde se tornaria medalhista de ouro nos Jogos Rio 2016.
Andrey liderava por dois pontos até o último de cinco sets. Eram mais três disparos, alternados, para cada competidor. Shelby tirou a vantagem do brasileiro e na terceira flecha abriu oito pontos. Era a vez de Andrey efetuar o último tiro. Ele tentou firmar o arco, mirou e acertou o círculo que vale sete. No total, são dez circunferências, sendo que a central soma dez pontos na contagem e a mais externa um.
“O vento estava dominando o arco e eu estava tentando manter ele no amarelo (cores dos círculos centrais). A gente espera o vento parar a rajada para firmar. No que o vento estava parando, levei a mira para o amarelo, tentei segurar, mas o tiro saiu antes do meu esperado, escapou”, detalha Andrey, estreante em Paralimpíadas.
Foram 20 segundos em que o brasileiro se concentrava para o tiro, enquanto Shelby, ao lado, morria de ansiedade. “Estava nervoso, cheio de borboletas no estômago”, comparou. “Foi um duelo difícil. Tentei manter o foco até o último tiro e aconteceu”, prosseguiu o norte-americano. No final, vitória por 136 a 135 (27 x 28; 28 x 26; 30 x 28; 23 x 28; 28 x 25).
Conhecido como o “arqueiro sem braços”, Stutzman viveu situação semelhante a que Andrey viria a passar quando foi eliminado. O norte-americano chegou ao último set com dois pontos de vantagem. No entanto, o brasileiro fez uma série perfeita, com três flechas na marca central que vale dez, enquanto Stutzman somou 27, sendo o último na marca dos oito. No final, 142 x 141 para o arqueiro do Brasil.
“Eu estou um pouco chateado, porque não consigo explicar o último tiro. Eu me sentia bem, tinha o alvo na mira e não sei exatamente o que causou o oito, a derrota”, comentou Stutzman. “Eu nem sabia que ele tinha atirado 10-10-10, eu não ouço, eu bloqueio, apenas foco no que tenho de fazer. E depois eu olho para o placar e penso: ‘Ah, então eu perdi com 10-10-10? Ok, é isso”, prosseguiu, sempre sorridente e brincalhão.
Reconhecimento mútuo
Vítima de um acidente de carro, quando um amigo que dirigia por uma rodovia no Paraná dormiu no volante, Andrey ficou paraplégico aos 19 anos. O brasileiro perdeu os movimentos das pernas, mas manteve intactos os dos braços. Ao ver Stutzman, com quem já esteve em outras competições, como o Parapan de 2015, Andrey se rendeu ao talento do adversário, que nasceu sem os membros superiores.
“Ele é impressionante. A gente acha que supera tudo e o vê-lo atirar com os pés... acho que é mais superação que todo mundo”, elogia Andrey. O norte-americano compete com um gatilho preso a um colete na altura do ombro direito, onde encaixa e dispara a flecha com a boca, enquanto segura o arco com o pé. A principal desvantagem competitiva de Stutzman, na avaliação do brasileiro, é em relação ao tempo para efetuar o tiro. “Ele tem que pegar com o pé e colocar a flecha no arco. Se você perceber, ele sempre atira nos últimos segundos. Outras pessoas conseguem atirar mais rápido”.
Os atletas estão na mesma classe porque, mesmo sem os braços, Stutzman possui equilíbrio no tronco e força nas pernas, critério mais próximo para adequar um caso atípico. “Eu quero ser o melhor, e não dá para ser o melhor atirando contra pessoas que não tem braços, porque sou o único. Então se eu quiser ser o melhor, tenho que atirar contra quem quer que seja, não importa se eles têm braços ou não”, disse o norte-americano, que encara naturalmente sua habilidade. “Eu nasci assim, e enquanto eu crescia tentei experimentar coisas novas, e uma delas foi o tiro com arco”.
» Vídeo: conheça um pouco mais sobre Matt Stutzman
As atuações de Andrey Muniz renderam elogios dos oponentes, que reconheceram o desenvolvimento esportivo do país na modalidade. "A cada vez que competimos ele está melhor. Eu sabia que seria difícil, esperava que ele fosse bem, porque está em casa, com toda a torcida. Então estou feliz que ele ganhou hoje”, afirmou o “arqueiro sem braços”.
"O Brasil tem tido vários excelentes atiradores que apareceram no último ano e que têm sido oponentes de respeito“, avaliou Shelby. A campanha faz Andrey projetar melhores resultados nas próximas competições. “Ganhei de dois caras muito fortes e combati de igual para igual com o terceiro. Eu cresci bastante nesta Paralimpíada. Vejo meus resultados passados e os níveis dos oponentes aqui e percebo que meu nível aumentou. Agora vou me preparar para 2020 (Paralimpíada de Tóquio) e ano que vem tem Mundial”.
Gabriel Fialho - Brasil2016.gov.br