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Atletismo

14/09/2016 23h39

Tiro com Arco

Brasileiro alcança vitórias épicas e recebe elogios do "arqueiro sem braços"

Andrey Muniz cai nas quartas de final para o medalhista de ouro nos Jogos Rio 2016, após superar campeão mundial e vice paralímpico em Londres 2012 no tiro com arco

Foto: Fernando Maia/MPIX/CPB

São 20 segundos para o atleta firmar o arco, fazer a mira precisa no alvo, de oito centímetros de diâmetro e que fica a 50 metros de distância, e soltar a flecha. Andrey Muniz executava com destreza os tiros sentado em sua cadeira de rodas, nesta quarta-feira (14.09). Disparo a disparo, ele ia deixando para trás poderosos adversários da classe ARW2 da competição individual do arco composto no Sambódromo do Rio de Janeiro.

Na classificatória, o sul-coreano Ouk-Soo Lee, campeão mundial em 2015. Nas oitavas de final, o norte-americano Matt Stutzman, prata nas Paralimpíadas de Londres 2012 e no Parapan do ano passado. No entanto, na fase seguinte, o brasileiro enfrentou Andre Shelby, campeão parapan-americano, e que horas mais tarde se tornaria medalhista de ouro nos Jogos Rio 2016.

Andrey liderava por dois pontos até o último de cinco sets. Eram mais três disparos, alternados, para cada competidor. Shelby tirou a vantagem do brasileiro e na terceira flecha abriu oito pontos. Era a vez de Andrey efetuar o último tiro. Ele tentou firmar o arco, mirou e acertou o círculo que vale sete. No total, são dez circunferências, sendo que a central soma dez pontos na contagem e a mais externa um.

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Andrey durante o duelo das quartas de final. Foto: Fernando Maia/MPIX/CPB

“O vento estava dominando o arco e eu estava tentando manter ele no amarelo (cores dos círculos centrais). A gente espera o vento parar a rajada para firmar. No que o vento estava parando, levei a mira para o amarelo, tentei segurar, mas o tiro saiu antes do meu esperado, escapou”, detalha Andrey, estreante em Paralimpíadas.

Foram 20 segundos em que o brasileiro se concentrava para o tiro, enquanto Shelby, ao lado, morria de ansiedade. “Estava nervoso, cheio de borboletas no estômago”, comparou. “Foi um duelo difícil. Tentei manter o foco até o último tiro e aconteceu”, prosseguiu o norte-americano. No final, vitória por 136 a 135 (27 x 28; 28 x 26; 30 x 28; 23 x 28; 28 x 25).

Conhecido como o “arqueiro sem braços”, Stutzman viveu situação semelhante a que Andrey viria a passar quando foi eliminado. O norte-americano chegou ao último set com dois pontos de vantagem. No entanto, o brasileiro fez uma série perfeita, com três flechas na marca central que vale dez, enquanto Stutzman somou 27, sendo o último na marca dos oito. No final, 142 x 141 para o arqueiro do Brasil.

“Eu estou um pouco chateado, porque não consigo explicar o último tiro. Eu me sentia bem, tinha o alvo na mira e não sei exatamente o que causou o oito, a derrota”, comentou Stutzman. “Eu nem sabia que ele tinha atirado 10-10-10, eu não ouço, eu bloqueio, apenas foco no que tenho de fazer. E depois eu olho para o placar e penso: ‘Ah, então eu perdi com 10-10-10? Ok, é isso”, prosseguiu, sempre sorridente e brincalhão.

Foto: Fernando Maia/MPIX/CPB

Reconhecimento mútuo

Vítima de um acidente de carro, quando um amigo que dirigia por uma rodovia no Paraná dormiu no volante, Andrey ficou paraplégico aos 19 anos. O brasileiro perdeu os movimentos das pernas, mas manteve intactos os dos braços. Ao ver Stutzman, com quem já esteve em outras competições, como o Parapan de 2015, Andrey se rendeu ao talento do adversário, que nasceu sem os membros superiores.

“Ele é impressionante. A gente acha que supera tudo e o vê-lo atirar com os pés... acho que é mais superação que todo mundo”, elogia Andrey. O norte-americano compete com um gatilho preso a um colete na altura do ombro direito, onde encaixa e dispara a flecha com a boca, enquanto segura o arco com o pé. A principal desvantagem competitiva de Stutzman, na avaliação do brasileiro, é em relação ao tempo para efetuar o tiro. “Ele tem que pegar com o pé e colocar a flecha no arco. Se você perceber, ele sempre atira nos últimos segundos. Outras pessoas conseguem atirar mais rápido”.

Foto: Fernando Maia/MPIX/CPB

Os atletas estão na mesma classe porque, mesmo sem os braços, Stutzman possui equilíbrio no tronco e força nas pernas, critério mais próximo para adequar um caso atípico. “Eu quero ser o melhor, e não dá para ser o melhor atirando contra pessoas que não tem braços, porque sou o único. Então se eu quiser ser o melhor, tenho que atirar contra quem quer que seja, não importa se eles têm braços ou não”, disse o norte-americano, que encara naturalmente sua habilidade. “Eu nasci assim, e enquanto eu crescia tentei experimentar coisas novas, e uma delas foi o tiro com arco”.

» Vídeo: conheça um pouco mais sobre Matt Stutzman

As atuações de Andrey Muniz renderam elogios dos oponentes, que reconheceram o desenvolvimento esportivo do país na modalidade. "A cada vez que competimos ele está melhor. Eu sabia que seria difícil, esperava que ele fosse bem, porque está em casa, com toda a torcida. Então estou feliz que ele ganhou hoje”, afirmou o “arqueiro sem braços”.

"O Brasil tem tido vários excelentes atiradores que apareceram no último ano e que têm sido oponentes de respeito“, avaliou Shelby. A campanha faz Andrey projetar melhores resultados nas próximas competições. “Ganhei de dois caras muito fortes e combati de igual para igual com o terceiro. Eu cresci bastante nesta Paralimpíada. Vejo meus resultados passados e os níveis dos oponentes aqui e percebo que meu nível aumentou. Agora vou me preparar para 2020 (Paralimpíada de Tóquio) e ano que vem tem Mundial”. 

Gabriel Fialho - Brasil2016.gov.br