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Atletismo

26/10/2016 15h13

Atletismo

As histórias de pescador de Vanderlei Cordeiro de Lima

Após viver o maior momento da carreira com o acendimento da pira olímpica nos Jogos do Rio, ex-maratonista voltou às origens e comemorou ao lado de familiares e amigos no interior do Paraná, com direito a muita pescaria e pouca badalação

Das poucas certezas que Vanderlei Cordeiro de Lima (47) tem na vida, uma delas é a de que ninguém poderá apagar seu nome da história dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Já no Maracanã, a menos de duas horas para o início da cerimônia oficial de abertura, no dia 5 de agosto, o ex-maratonista recebia com surpresa e enorme felicidade a notícia de que o Comitê Olímpico Internacional (COI) teria escolhido ele para acender a pira olímpica. “Depois que tive a oportunidade de estar nos Jogos e ser surpreendido com a notícia, comemorei demais porque para mim foi o grande momento da minha carreira e o fechamento perfeito de um ciclo. Desde um dia, lá atrás, em que sonhei ser um atleta olímpico, até ter a possibilidade de conquistar uma medalha, do episódio de aconteceu comigo em 2004... esse ciclo se fechou no Rio e recebi minha medalha de ouro”, relata o medalhista de bronze dos Jogos de Atenas, 2004.

Foto: Roberto Castro/Brasil2016.gov.br

A última competição da qual Vanderlei Cordeiro de Lima participou profissionalmente foi a São Silvestre de 2008 (cruzou em 109º lugar). A aposentadoria veio na sequência e com ela a esperança de conseguir dedicar mais atenção à família, especialmente às duas filhas, Ane Caroline e Tainá, que hoje estão com 24 e 22 anos, e optaram por seguir caminhos profissionais diferentes do pai. Tainá está concluindo a faculdade de arquitetura, enquanto a mais velha começou a cursar fisioterapia para trabalhar com o pai, mas, no meio do caminho, se encantou pela psicologia, profissão que exerce atualmente.  

“Eu sou o espelho do meu pai. É fundamental dizer que a maior herança que eles me deixaram foi a educação. Eles não deixaram bens materiais, mas os valores que me passaram foram primordiais na minha trajetória, até para eu tentar enxergar o mundo sob uma perspectiva diferente e sempre otimista"
Vanderlei Cordeiro de Lima

“Assim como a grande maioria dos atletas que querem chegar a um nível de excelência, eu acabei sendo um pai ausente por conta da profissão e do caminho que escolhi trilhar. Se você quer se sobressair na profissão, em determinado momento precisa abrir mão da convivência familiar para alcançar o máximo. Mas, graças a Deus, consegui ter a coroação de todo o esforço feito e hoje posso dividir as alegrias com minhas filhas e familiares. Isso é gratificante”, diz Vanderlei que, em 2000, escolheu a cidade de Maringá, no Paraná, para fixar residência. “Foi uma opção pela qualidade de vida. Meus vínculos profissionais estão em São Paulo, mas o coração e a origem estão aqui. E depois da morte do meu pai - Jose Cordeiro de Lima faleceu em 2000, aos 79 anos - decidi voltar ao Paraná com a família”, explica.

A família, aliás, é o alicerce do medalhista olímpico. “Eu sou o espelho do meu pai. É fundamental dizer que a maior herança que eles me deixaram foi a educação. Eles não deixaram bens materiais, mas os valores que me passaram foram primordiais na minha trajetória, até para eu tentar enxergar o mundo sob uma perspectiva diferente e sempre otimista. Não consigo lembrar do meu pai reclamando da vida. Mesmo às vezes com dificuldade e faltando uma coisa ou outra, ele sempre estava alegre, sorrindo, então tudo o que sou hoje é reflexo daquilo que vivenciei com ele e a minha mãe dentro da nossa casa”, conta o filho caçula de seu Jose Cordeiro de Lima e Aurora Maria da Conceição de Lima.

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Vanderlei em seu segundo 'habitat'. Para ele, paciência e persistência são virtudes da pescaria que ele levou para as maratonas. Foto: Acervo Pessoal

Pescaria

Além da humildade, outra característica que Vanderlei herdou do pai foi a paixão pela pesca, ofício que aprendeu na infância, em Tapira, interior do Paraná, por necessidade. “A gente saía de manhã e voltava de madrugada. Tinha que pescar para comer porque às vezes o alimento faltava em casa. Minha família trabalhava em lavoura para os outros. Num dia era um pasto para roçar, noutro dia era arrumar uma cerca ou plantar feijão ou cortar cana. A gente encarava o que tivesse no roçado”, conta.

“Quando a dificuldade estava grande porque não tinha serviço e faltava a mistura no prato, meu pai me levava com ele para pescar. A gente andava quase sete quilômetros só para ir. Eram cinco quilômetros no asfalto e quase dois no meio do pasto. Na volta era pior porque eu estava exausto e era ali mesmo que saciava um pouco da fome, chupando cana deitado no chão até meu pai me incentivar a andar mais um pouquinho. E foi assim que surgiu minha paixão pela pescaria”, completa o ilustre paranaense, que atualmente costuma praticar seu passatempo predileto na cidade de Porto Rico, a 170 quilômetros de Maringá. “Agora a realidade é diferente. Eu nem me importo se pego peixe ou não, gosto de curtir a natureza, estar naquela sintonia, levar uma carne, uma cervejinha. Inclusive já estou precisando ir de novo”, diverte-se.

“Vou a Porto Rico para entrar cedo no rio e se deixar fico o dia todo e à noite também, independentemente de pegar peixe ou não. É a minha terapia. É ali que me encontro. Posso garantir que usei muito dos conhecimentos da pescaria na maratona, porque ambas te exigem paciência, disciplina, concentração, você precisa saber o momento certo para agir”.

A agitada vida de “aposentado”

Vanderlei Cordeiro de Lima se aposentou oficialmente em 2008, mas, ao contrário do que imaginava, mantém uma agitada agenda de compromissos, seja com patrocinadores, com o instituto que leva seu nome ou com o clube de atletismo do qual ainda faz parte como padrinho, o BM&F Bovespa.

“Depois que encerrei a carreira, eu achava que teria mais tempo para a família e amigos, mas foi completamente diferente. Nunca viajei tanto”, conta o ex-atleta, fazendo questão de ressaltar que, mesmo com a quantidade de eventos em diferentes regiões do país, sempre que pode corre de oito a dez quilômetros para se manter saudável e em forma.

“As pessoas me relacionam muito como o ‘cara do padre’ e assim eu fiquei conhecido. Apesar de já ter passado mais de 12 anos, essa lembrança é recente na memória delas porque foi um fato que impactou o mundo todo. Mas em nenhum momento me incomodou. É a minha história que está escrita"
Vanderlei Cordeiro de Lima

O Instituto Vanderlei Cordeiro de Lima (IVCL) foi fundado em 2008 e funciona na cidade de Campinas (SP). Atualmente, o projeto é mantido por parceiros e apoiadores através da Lei de Incentivo ao Esporte, do Ministério do Esporte, e atende tanto os atletas de ponta quanto aqueles que estão iniciando no atletismo.

“Esse intercâmbio é bacana porque é uma motivação importante para os meninos que estão em busca de um sonho e a troca de experiências entre os atletas é interessante”, conta o criador do IVCL, que começou a correr quando criança porque desejava conhecer outros lugares além da pequena Tapira e os pais não tinham condições financeiras para realizar o sonho do filho à época.

“Eu tinha muita vontade de viajar, mas não imaginava que pudesse chegar tão longe”, reflete o ex-maratonista que já conheceu mais de 20 países e agora quer ter tempo e oportunidade de explorar ainda mais lugares dentro de seu próprio país. “O Brasil é tão rico em diversidade e belezas naturais que a gente nem imagina quanta surpresa pode ter por aqui”.

Mesmo ainda não conhecendo cada canto do Brasil, Vanderlei é abordado por onde passa, por pessoas que querem posar para fotos e fazer o “aviãozinho”, gesto que ficou mundialmente conhecido nos Jogos de Atenas, 2004, quando o maratonista cruzou a linha de chegada sorridente, na terceira colocação, mesmo após ter sido agarrado pelo ex-padre irlandês, Neil Horan, fazendo com que o corredor perdesse duas posições.

Apesar de ter perdido a chance de conquistar o ouro, o brasileiro demonstrou tamanha generosidade e espírito olímpico que meses depois foi condecorado com a medalha Pierre de Coubertin, sendo o único latino-americano a receber a honraria do COI.

“As pessoas me relacionam muito como o ‘cara do padre’ e assim eu fiquei conhecido. Apesar de já ter passado mais de 12 anos, essa lembrança é recente na memória delas porque foi um fato que impactou o mundo todo. Mas em nenhum momento me incomodou. É a minha história que está escrita. Tenho orgulho de ter percorrido um trajeto que não foi fácil, mas que foi sempre limpo. O esporte realmente tem o poder de transformação e as coisas vão acontecendo naturalmente quando buscamos com a vontade do coração. Eu faria tudo de novo, exatamente do mesmo jeito”, finaliza o medalhista olímpico.

Valéria Barbarotto, brasil2016.gov.br