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Atletismo

05/08/2016 10h39

BRASIL DE OURO

Zanetti: o ouro olímpico que nasceu com uma prata no Mundial

Ginasta recorda o pódio alcançado em Tóquio, um ano antes dos Jogos de Londres, que o garantiu pela primeira vez nas Olimpíadas. Brasileiro revive a ansiedade ao longo dos nove dias de espera pela final e os conselhos que recebeu do técnico de vôlei Bernardinho

Consagrar-se campeão olímpico é, naturalmente, o maior dos feitos que um atleta pode alcançar. Por esse motivo, o topo do pódio é comumente visto como a honraria máxima, o motivo da maior alegria. Se o posto for atingido logo em uma estreia nos Jogos, o fato se torna ainda mais impressionante e digno de ser festejado. Contudo, e a despeito de toda emoção do título conquistado em Londres, em 2012, a celebração de Arthur Zanetti teve início um ano antes. E nem foi preciso uma medalha de ouro para que o ginasta vivesse o que considerou o momento de maior êxtase de sua carreira.

Um brasileiro no Japão em 2011. Ali começaria a avalanche da ginástica artística nacional em um aparelho em que o país não tinha expressividade. Durante o Mundial de Tóquio, Zanetti daria início à apresentação das argolas para o grande público que o acompanharia dali em diante. “Na época foi uma prata, mas foi uma emoção muito maior do que ganhar o ouro nas Olimpíadas”, compara Arthur.

Zanetti na prova que lhe rendeu o ouro olímpico. Foto: Getty Images

Até então, o atleta já havia figurado com boas posições em competições. No Mundial de 2009, em Londres, o primeiro de sua carreira, foi finalista e terminou com o quarto lugar, algo inédito para o Brasil no aparelho. Já em 2010, foi prata na etapa de Stuttgart da Copa do Mundo, mesmo ano em que venceu os Jogos Sul-Americanos. Em 2011, outro torneio contribuiria com sua projeção: no mês de agosto, Zanetti conquistou o ouro inédito na Universíade de Shenzen, na China. 

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Zanetti no Mundial de 2011: a prata que abriu as portas para o ouro olímpico em Londres. Foto: Getty Images

Mesmo com a curva ascendente, chegar a Tóquio, em outubro de 2011, e conquistar uma medalha em um Mundial era algo que transcendia os planos até então traçados para a sua evolução. Com uma apresentação consistente e uma saída cravada, o brasileiro comemorou ali mesmo o que havia realizado, ainda sem saber a nota. Ao lado do aparelho, o técnico Marcos Goto ergueu os braços e gritou.

Com os 15.600 pontos somados, atrás apenas do chinês tetracampeão mundial Ybing Chen (15.800), Zanetti não resistiu. Ali começaria a viver as maiores emoções de sua vida como atleta. Como a competição valia como Pré-Olímpico para os Jogos de Londres, o paulista de São Caetano do Sul estava classificado para a sua primeira participação olímpica.

“Foi um dos poucos momentos em que chorei na minha vida. A gente planeja as conquistas. Quando você não consegue, fica bravo. Quando consegue, é o que estava planejado”, argumenta. “Como isso não estava planejado, quando acabou a competição e vi que tinha ficado em segundo, falei: ‘Caramba, meu! Vou estar numa Olimpíada! Vou competir pelo menos uma Olimpíada na minha vida, olha que coisa ótima!’. Aí foi um dos momentos em que eu não conseguia falar, simplesmente chorava. Eu abraçava o Marcos e falava: ‘Pô, Marcos, a gente está nas Olimpíadas! Era um sonho e está se tornando realidade’”, recorda, emocionado.

“Quando você não espera o resultado e ele vem, é muito mais emocionante. Foi maravilhoso”, ressalta. “Acho que foi o melhor resultado que eu já tive, o mais prazeroso, pelo fato de não esperar ser medalhista. E, sendo medalhista, eu consegui a vaga para as Olimpíadas. Então para mim o Mundial de Tóquio foi ótimo. Foi um momento inesquecível”, afirma o ginasta, que viveria muitas outras conquistas dali para a frente.

"Foi um dos poucos momentos em que chorei na minha vida. A gente planeja as conquistas. Quando não consegue, fica bravo. Quando consegue, é o que estava planejado. Como isso não estava planejado, quando vi que tinha ficado em segundo, falei: ‘Caramba, meu! Vou estar numa Olimpíada! Eu não conseguia falar, simplesmente chorava"

Ainda em outubro de 2011, Zanetti seguiu com a seleção para os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, onde levou a prata nas argolas e o ouro por equipe. O título máximo no torneio continental ficaria guardado por mais quatro anos, reservado para a edição canadense.

Planejamento olímpico

Se o pódio no Mundial teve gosto de surpresa, a conquista de uma medalha nos Jogos Olímpicos de Londres, por sua vez, foi estrategicamente planejada. “A gente sabia que, com a série do Mundial, poderia pegar uma final nas Olimpíadas”, explica Zanetti. “Como estávamos em segundo com uma série com nota de partida mais baixa que os outros adversários, a gente sabia que, se aumentasse a nota de partida e fizesse uma série boa e limpa, tinha chance de brigar por um resultado, pelo menos pelo pódio”, acrescenta. Assim, após Tóquio, o ginasta já passou a executar uma nova série.

O arremate final da preparação foi feito na Bélgica. “Fizemos um período de umas três semanas de treinamento. Era uma cidade bem tranquila, com poucos habitantes, naquele estilo de cidadezinhas da Europa”, relembra o ginasta. “Fizemos nossa preparação lá com uma aparelhagem muito boa. Foi um período intensivo em que foquei só nas argolas. Antes, no Brasil, eu fazia um pouquinho de solo, de saltos, para dar uma descontraída, mas lá foi intensivo nas argolas. Depois de lá, a gente foi para as Olimpíadas. Aí começou a realidade”, brinca.

“Perdidão” na Vila

Se nas argolas Zanetti sabia exatamente o que deveria fazer, na Vila Olímpica o brasileiro mal sabia para onde olhar. “No primeiro dia, eu cheguei lá e estava perdidão. Olhava para tudo, para as bandeiras dos países, procurando atletas conhecidos. Estava meio como turista”, diverte-se. “Eu não sabia onde eram as coisas, nunca tinha ido a uma Olimpíada. Eu já tinha visto vilas universitárias e pan-americanas, mas nunca tinha prestigiado uma Vila Olímpica. É impressionante a estrutura, não só os ginásios, mas a própria vila, a alimentação, tudo”, comenta.

Passado o choque inicial, era no ginásio de treinamento que o atleta conseguia devolver os pensamentos ao grande objetivo. “Nos treinos, a gente volta ao foco. A gente estava bem preparado e sabia o que podia alcançar naquele momento”, resume.

Zanetti em Londres: série classificatória segura e limpa. Foto: Getty Images

Classificatória

No dia 28 de julho de 2012, Arthur Zanetti faria sua estreia olímpica com a disputa da eliminatória das argolas. Sem sentir a pressão, o atleta conta que não teve qualquer problema com o sono na noite anterior. “Na véspera, dormi muito bem, tive uma noite de sono maravilhosa. Não acordei nenhuma vez à noite, dormi direto mesmo”, ressalta. 

"O único momento em que fiquei um pouco mais nervoso foi quando entrei no ginásio. Foi quando o Marcos falou para mim: ‘Você tem essa chance, não deixa escapar. Provavelmente não vai ter outra’. Foi um momento que fiquei com mais adrenalina"

Entrar no ginásio, porém, deu uma balançada no brasileiro conhecido por não tremer nenhuma parte do corpo nas argolas. “O único momento em que fiquei um pouco mais nervoso, que deu uma adrenalina a mais, foi quando entrei no ginásio. Foi quando o Marcos falou para mim: ‘Você tem essa chance, não deixa escapar. Se você deixar, provavelmente não vai ter outra’. Foi um momento que fiquei com mais adrenalina, mas, quando entrei para a área de competição, minha cabeça estava focada no meu corpo e no meu aparelho”.

Naquela etapa da competição, Zanetti optou por esconder parte do jogo. Com uma série mais simples do que faria na final, o brasileiro somou 15.616 pontos e garantiu a quarta colocação na classificatória, posição que o faria ser o último a se apresentar no dia da decisão. Na liderança estava o chinês Ybing Chen, o mesmo que havia faturado o ouro naquele Mundial de Tóquio, em 2011.

Ansiedade crescente

No judô, por exemplo, os atletas competem as eliminatórias olímpicas pela manhã e, já na parte da tarde, é definido o dono de cada medalha. Já na ginástica artística, o sofrimento de aguardar pela final é prolongado. Zanetti precisava esperar, durante nove dias, a chegada de 6 de agosto. “Esse tempo foi horrível, demorou muito. Essa ansiedade de você estar numa vila, treinando com todo mundo e não poder competir porque ainda não é o momento é muito ruim”, reclama.

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Segundo Zanetti, conversa com Bernardinho antes da final ajudou na tarefa de superar a ansiedade. Foto: Getty Images

Nesse período, mal foi possível comemorar a vaga na decisão olímpica. A liberação recebida do técnico Marcos Goto foi, no mínimo, inusitada. “Como do lado da vila tinha um shopping e minha família estava lá, a gente foi para o shopping, mas o Marcos falou assim: ‘Hoje é seu dia livre, você não vai ter treino, mas você vai ficar sentado aqui na mesa e não vai sair andando por aí’. Aí ficamos eu e minha namorada sentados por três horas, conversando”, relata.

A folga só durou mesmo aquele dia, logo após a classificatória. Em seguida, começou tudo de novo. “Eu simplesmente treinava o dia inteiro. Fazia um treino mais tranquilo de manhã, voltava para a vila, almoçava, descansava e, à tarde, fazia um treino mais forte. Aí tinha fisioterapia e descansava”, recorda o estreante, que nem conseguiu acompanhar qualquer outra competição nos Jogos. “A ginástica é uma das primeiras a começar e acaba quase no final. Quando acaba, você já tem que ir embora. Então eu não consegui ver nada”, conta.

Ainda vivendo a grande expectativa, na véspera da decisão Arthur Zanetti ouviu palavras de incentivo de ninguém menos que Bernardinho, técnico do vôlei masculino e dono de seis medalhas olímpicas, sendo uma como jogador, a prata em Los Angeles-1984, e cinco como comandante das equipes feminina e masculina.

“Antes da nossa final, ele conversou um pouquinho com a gente e passou a história de vida dele, a experiência de outras Olimpíadas, para a gente ficar um pouco mais tranquilo e ter uma motivação a mais”, conta. “Ele falou para curtir aquele momento porque era especial competir em uma final olímpica e que o importante era fazer o meu melhor, sair satisfeito, e que o resultado era consequência. Ele complementou o que a gente já pensava e colocava como foco, em sair satisfeito e bem depois de uma prova”, relembra o ginasta.

Com uma série mais elaborada na manga, o brasileiro sabia que poderia conquistar ali uma inédita medalha de ouro. “Passava na minha cabeça que, se eu fizesse tudo que estava planejado, nós tínhamos uma grande chance de ser medalha de ouro nas Olimpíadas, mas a gente sabia que tinha que fazer o nosso melhor”, destaca. 

O dia D

“A tranquilidade foi igual à da classificatória. Tive também uma ótima noite de sono. Acordei, fizemos um aquecimento tranquilo na própria vila e, à tarde, fomos para o ginásio”, conta o atleta, que ainda assistiu à final do solo antes descer para a área de aquecimento. “A gente fez um forte trabalho psicológico, então cheguei lá bem preparado e tranquilo. Eu sabia que aquele momento era único. Estava com bastante pensamento positivo. Encarei a competição bem tranquilo e sempre pensando no melhor”, enfatiza.

Dos 68 ginastas inicialmente inscritos nas argolas, oito disputariam a final. A prova foi aberta pelo rival chinês, ouro em Pequim-2008, que somou 15.800 pontos, pouco abaixo dos 15.858 da classificatória, e se manteve o tempo todo na liderança, durante a apresentação dos outros seis competidores. Faltava apenas Arthur Zanetti. Marcos Goto o ajudou a subir no aparelho e o brasileiro deu início à série de sua vida.

A cada movimento praticamente impecável, o público aplaudia. Na saída, um pequeno passo para o lado direito deu ao ginasta alguns momentos de preocupação. “Esse passinho não estava planejado. Eu estava treinando bastante a chegada”, lamenta. “Como fui firme, fiz uma prova de que gostei demais, que foi muito boa, eu sabia que dava para ser pódio. Era primeiro ou segundo, mas eu não queria. Já que eu estava lá, numa Olimpíada, numa final, eu queria o ouro”, admite. 

“Todos os brasileiros invadiram lá, abracei todo mundo, foi uma emoção enorme. Para ter uma medalha de ouro olímpica, você precisa merecer. A gente fez por merecer"

A ansiedade tomou conta do ginásio e, principalmente, do chinês e de Zanetti. A nota demorava a sair. Quando o brasileiro foi revelado campeão olímpico, Arthur e Marcos ergueram os braços ao mesmo tempo, gritaram e se abraçaram. O Brasil tinha, pela primeira vez, uma medalha de ouro na ginástica artística em Jogos Olímpicos. “Foi uma explosão de alegria. A gente ficou muito feliz. Eu, meu técnico, o pessoal que estava na área de competição. Nós comemoramos bastante”, recorda. 

“Todos os brasileiros invadiram lá, abracei todo mundo, foi uma emoção enorme para todos”, acrescenta o campeão. “Para você ter uma medalha de ouro olímpica, você precisa merecer. A gente fez por merecer essa medalha e por isso que ela veio para a gente”, acredita.

O encontro com a família ainda demoraria algumas horas, mas nem por isso seria menos emocionante. “Acho que eles ficaram muito mais felizes do que eu. Quando eu encontrei com eles depois, meu pai e minha mãe estavam chorando de alegria. Foi um momento muito especial para mim e para eles”, destaca o filho. “Se não fosse por eles, com certeza não teria esse resultado e também não estaria na ginástica. Eles foram meus maiores incentivadores”, afirma Zanetti.

O jovem atleta, de fato, recebeu grande apoio sobretudo do pai, que chegou a fabricar algumas argolas anos atrás para auxiliar no treinamento do filho. “Teve um dia que quebrou nossa argola e ele improvisou uma para a gente continuar treinando, não parar para encomendar outra. Então ele faz alguns aparelhos auxiliares que ajudaram bastante.”

Medalha de ouro conquistada por Zanetti em Londres. Coroação de um ciclo bem planejado. Foto: Getty Images

O significado do ouro

Apesar de toda festa com a conquista, Zanetti demorou ainda alguns dias para entender o que aquele feito inédito significava não só para ele, mas para a ginástica artística brasileira. De volta a São Caetano, sua academia faria uma seletiva para novos alunos, que já estava programada mesmo antes das Olimpíadas. “Quando eu voltei, a quantidade de atletas e de alunos querendo fazer ginástica aumentou muito de um ano para o outro. A gente viu ali que a ginástica começou a ser mais procurada pelas crianças”, analisa. “Não posso dizer que eu que fiz isso. A gente tem outros atletas, como Diego, Daniele, Jade e Daiane que também fizeram a ginástica ser conhecida, e eu contribuí um pouquinho também”, aponta.

"As pessoas falam em pressão, mas penso no contrário. O fato de já ter tido um resultado máximo me tranquiliza. Eu não estou em busca de um ouro. Eu já tenho. Lógico que vou trabalhar para defender o título, mas só de saber que já tenho, isso me deixa mais tranquilo” 

Lidar com toda fama proporcionada pelo ouro foi um pouco mais complicado. “Sua vida muda da noite para o dia. Você acaba reconhecido pelo seu trabalho”, comenta, tirando mais uma vez lições aprendidas com o técnico de vôlei. “Li no livro do Bernardinho sobre quando eles foram campeões, para não cair na zona de conforto. Ele fala bastante sobre isso no livro dele. Essa zona de conforto é pensar ‘ah, fui campeão, então posso dar uma relaxada’”, explica. 

“Eu segui um conselho do livro dele para voltar para o ginásio e continuar treinando firme e forte como a gente sempre faz. Então a gente voltou das Olimpíadas, tive dois dias de folga e já estava de novo no ginásio treinando porque ia ter outras competições e eu ia participar, sempre com o objetivo de ganhar”, conta, incansável.

Quatro anos depois

Sem brecha para ilusões ou a temida zona de conforto, Zanetti seguiu em ritmo intenso de treinos. Em 2013, consagrou-se campeão mundial na Antuérpia (Bélgica) e, um ano depois, foi prata no Mundial de Nanning (China). No ano passado, em Toronto, conquistou o ouro que faltava ao seu currículo durante os Jogos Pan-Americanos. Agora, sabe bem o significado do título que carrega para o Rio 2016. “O ouro olímpico é uma conquista realizada que vai ficar gravada para o resto da vida do atleta, não importa a idade que ele tenha. Esse é o momento de extrema alegria”, define.

Ter o peso do retrospecto em uma nova edição olímpica é, na realidade, um motivo de alívio para o brasileiro, que buscará nos próximos dias a chance do bicampeonato. “As pessoas falam em pressão, mas eu penso no contrário. O fato de eu já ter competido uma Olimpíada e já ter tido um resultado máximo me tranquiliza muito mais. Eu não estou em busca de um ouro olímpico. Esse ouro eu já tenho, eu já conquistei. Lógico que vou trabalhar para defender o meu título, mas só de saber que eu já tenho um resultado, isso me deixa muito mais tranquilo do que os outros atletas que ainda estão na busca desse ouro.” 

Ana Cláudia Felizola – brasil2016.gov.br