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Bocha

16/11/2015 07h01

Aquece Rio

“A medalha que mais queremos é a da consciência do povo brasileiro”, diz coordenadora da bocha

Equipe reúne atletas com alto grau de deficiência e que enfrentam desafios diários de acessibilidade nos deslocamentos para treinos e competições
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Márcia Campeão e Luiz Carlos Ferreira ressaltam que a acessibilidade é um dos principais legados necessários aos Jogos. Fotos: Gabriel Heusi/Brasil2016.gov.br
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Equipe brasileira de bocha durante o evento-teste realizado no Riocentro. Foto: Miriam Jeske/Brasil2016.gov.br
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Deslocamento em aeroportos envolve acessibilidade e qualificação dos profissionais das companhias aéreas. Foto: Gabriel Heusi/Brasil2016.gov.br
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Luiz Carlos Ferreira relata que o deslocamento acessível dentro do Rio ainda é um desafio. Prefeitura destaca investimentos em mobilidade. Foto: Miriam Jeske/Brasil2016.gov.br
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Márcia Campeão: "Aquilo que é acessível para o deficiente, é acessível para qualquer pessoa". Foto: Miriam Jeske/Brasil2016.gov.br
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A Seleção Brasileira de Bocha está de olho no pódio dos Jogos Paralímpicos 2016: além de defender os atuais títulos nas classes BC2 e BC4 (individual e duplas, no caso da segunda), também quer estar entre os três melhores por equipes (BC1/BC2). Mas a principal medalha desejada pela equipe é o legado de consciência que os Jogos podem deixar para o Rio de Janeiro e para o Brasil.

“Eu espero a medalha da consciência do povo brasileiro de respeitar e reconhecer as potencialidades das pessoas com deficiência. E temos que reconhecer que não precisamos de lei para idoso, para deficiente, a gente tem que ter leis e direitos para o cidadão brasileiro. Aquilo que é acessível para o deficiente, é acessível para qualquer pessoa”, diz a coordenadora técnica Márcia Campeão.

Envolvida com a bocha há 20 anos, ou “desde sempre”, como gosta de dizer, Márcia acompanha com frequência as verdadeiras sagas a que são submetidos os atletas da seleção em viagens ou até mesmo no dia a dia. Da organização do evento-teste da modalidade realizado de 12 a 14 de novembro, desde o momento da chegada ao aeroporto, ela não tem o que se queixar. Mas o desafio está na rotina.

Centro-Deodoro

Um dos principais exemplos está na própria cidade-sede dos Jogos. Luiz Carlos Ferreira, 39 anos, mora na Zona Central do Rio de Janeiro. Ele tem paralisia cerebral severa, adquirida no parto, o que causou comprometimento nas pernas e nos braços. Encantou-se com a bocha há quatro anos, vendo o esporte pela TV, e viu que a deficiência não seria empecilho. Decidiu praticar e foi convidado pelo técnico Ednaldo Gomes a treinar na Aeterj (Associação de Equoterapia do Estado do Rio de Janeiro), que fica em Deodoro, na Zona Oeste. O próprio treinador alertou para o desafio que seria o deslocamento.

“Ele mesmo me disse que para eu ir até lá seria um transtorno, mas eu disse que queria isso (o esporte) para mim. É tão difícil que já chego ao treino moído. Imagina no verão? Deodoro é muito quente”, conta Luiz Carlos, que treina às segundas e quartas na Aeterj, e nos demais dias pratica o esporte em casa.

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Luiz usa uma cadeira de rodas motorizada. Pega o metrô na estação Estácio e desce na Uruguaiana. Segundo ele, o metrô é a parte mais tranquila. O problema vem na sequência, quando precisa pegar o ônibus até Deodoro.

“Pego o Expresso 369. Muitas vezes o ônibus passa e o motorista avisa que não pode me levar porque o elevador está quebrado. Aí tenho que esperar outro e demora muito. Eu consigo usar andador, então às vezes uso, mas alguém precisa fechar a cadeira e subir com ela pra mim. É normal sair de casa às 10h e chegar 12h45 em Deodoro”, narra.

O treinador o busca no ponto de ônibus em Deodoro. Na volta, o trajeto inclui trem  até a estação Central e depois o metrô. Na estação Magalhães Bastos, ele sofre com a falta de rampas. Muitas vezes também precisa esperar vários trens passarem, porque ficam cheios e ele não consegue competir com tanta gente no horário de pico. “Tem dia que saio às 17h do treino e chego em casa depois das 21h”, explica.

Luiz Carlos conta com o apoio da Bolsa Atleta do Ministério do Esporte na categoria Internacional. O dinheiro, segundo ele, é fundamental na alimentação e na compra de material para a bocha. Mas Luiz sonha com um patrocínio para resolver o drama do transporte. “Eu não estou pensando em ganho financeiro, queria só uma van, uma forma de ir para o treino e do treino para casa. Sofro muito”.

Legado de acessibilidade

Luiz espera uma cidade mais acessível depois dos Jogos, considerado o principal legado.  De acordo com a prefeitura, o bairro de Magalhães Bastos está passando por diversas obras de mobilidade. Além da reforma na estação de trem, feita pela SuperVia, uma estação do BRT Transolímpica (que vai ligar o Recreio a Deodoro) está sendo construída ao lado da ferrovia e as obras na cidade estão sendo feitas para atender a todos os padrões de acessibilidade.

Ainda de acordo com a administração municipal, dos 8.360 ônibus urbanos, 80% têm elevadores para cadeirantes, incluindo toda a frota do BRT, que atualmente é de 332 veículos. A meta da Prefeitura do Rio é ter 100% da frota com acessibilidade até 2016. Em 2012, a frota de ônibus acessíveis era de 5.505 veículos, de um total de 8.678, o que representava 63%.

A administração municipal ressalta ainda que a substituição de ônibus antigos por veículos novos e acessíveis tem ocorrido de forma gradativa, com a modernização da frota. Desta forma, o percentual de acessibilidade dos ônibus crescerá à medida que forem iniciadas novas operações do BRT, com entrada de novos veículos no sistema, e com a saída de ônibus antigos.

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Deslocamento em aeroportos envolve acessibilidade e qualificação dos profissionais das companhias aéreas. Foto: Gabriel Heusi/Brasil2016.gov.br

Desafio aéreo

Em viagens pelo país, as dificuldades também aparecem nos aeroportos. Segundo Luiz Carlos, as companhias aéreas não estão bem preparadas e muitas vezes, por fecharem as cadeiras de qualquer jeito, acabam danificando-as. Márcia Campeão reforça:

“Precisamos capacitar os profissionais das companhias aéreas.  A gente vê a dificuldade dos funcionários. Eles ficam sem saber o que fazer, e isso demora. Quando o aeroporto não tem aquela cadeirinha que rola nos degraus é muito complicado. O atleta – ou qualquer deficiente-  não pode ser carregado igual um saco de batata. O indivíduo não pode ter esse tipo de constrangimento”, disse.

De acordo com Thiago Meirelles, coordenador geral de Investimentos do Departamento de Gestão Aeroportuária da Secretaria de Aviação Civil (Sac), foi criado um grupo de trabalho envolvendo a Sac, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, operadores aeroportuários e companhias aéreas para criar procedimentos-padrão relativos à acessibilidade, de acordo com a resolução 280 da Anac, que dispõe sobre o tema. Ele acrescentou que foi publicado um Guia de Direitos e Acessibilidade do Passageiro que esclarece os deveres e as responsabilidades das empresas aéreas e dos operadores aeroportuários, também baseado na resolução 280. 

“Pela norma, a responsabilidade de treinamento é das companhias aéreas e dos operadores. Mas a gente constituiu um grupo de trabalho especifico para atuar e indicar diretrizes para os treinamentos, acompanhando de perto”, disse.

Carol Delmazo - brasil2016.gov.br